No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

O SONHO DO PLANETA (2) - Reflexões Astrológicas

REFLEXÕES SOBRE O ESTADO DE SONHADORES

“Não posso manter acordos dos quais não participei. Eu não estava quando se firmou o acordo de que sou um imbecil. Assim, eu não o aceito”

Don Juan, citado por Carlos Castañeda

É tudo uma imensa utopia. Esta teoria do Sonho do Planeta é tão provável quanto qualquer outra teoria. Podemos preferir acreditar na necessidade da forma e da imagem e no poder da posse, e isto ser tão real quanto a tese do Sonho do Planeta. Jamais saberemos.

Mas uma coisa podemos perceber, independentemente de aceitar ou não, acreditar ou não: o processo de domesticação e condicionamento de nossa mente, a imposição de uma cultura, de uma realidade qualquer.

Se isto é bom ou mau, se é certo ou errado, se aceitamos ou não, não é o que estamos nos propondo a discutir aqui, mas simplesmente o fato de que existe uma programação externa, e que esta programação - fornecida principalmente pela família como interface entre o indivíduo e a sociedade - é o que determina a maneira como usamos nossos recursos e possibilidades, e não é necessário termos dúvidas deste fato. É palpável, é físico, é observável em cada um de nós e em cada um ao nosso redor.

Poderíamos imaginar o que seria nossa vida sem esta programação imposta. Como seríamos? Não sei se melhores ou piores, mas... Quem sabe?

Os animais selvagens não são sujeitos a este tipo de programação cultural, moral, econômica, será que é isto que nos distingue dos selvagens? Um script imposto, um programa do qual não conseguimos fugir?

Todas as técnicas que conhecemos e que são aceitas no ocidente para que o Homem resgate seu equilíbrio, conquiste algum bem estar, como a yoga ocidentalizada ou as psicoterapias em geral, estão comprometidas e são definitivamente vinculadas à manutenção deste script social, ou das Leis do Sonho. De certa forma a pessoa se integra e sente felicidade na medida em que não é agredida pela cultura e pelo ambiente, na medida em que consegue conviver e sobreviver aos fatores externos, na maioria das vezes ignorando ou negando muitos de seus talentos e capacidades naturais, inclusive, mantendo tudo que é instintivo e básico sob o mais rígido controle. Quanto maior o controle de si mesmo, maior a chance de ser aceito e “amado” por seu grupo social.

A aceitação parece ser o ponto de fuga, o foco principal deste painel que compõe o processo de manutenção do Sonho do Planeta. Ser aceito, ou ser amado – de acordo com a interpretação de alguns – é experiência que nos motiva a ser como somos, a obedecer as leis e até mesmo a transgredir nossos desejos mais íntimos e nossos instintos.

O Horóscopo é outra destas técnicas que busca integrar o homem a um determinado contexto, ou melhor, busca reintegrar o ser à sua condição natural.

Mas como os astrólogos estão vinculados e comprometidos com o paradigma do sonho, da manutenção de valores, da transformação apenas dentro do que é permitido pela Lei do Sonho, a astrologia perde pelo uso a sua função reintegradora e de resgate das condições naturais. O problema não é a Astrologia em si, pois suas bases filosóficas são perfeitas para o resgate das condições naturais, para a reintegração do Homem com a Natureza. O problema está com os astrólogos, nós, que infelizmente estamos comprometidos demais com a manutenção do sistema de valores aos quais também fomos condicionados e dentro do qual fomos domesticados. Isso tudo nos leva a fazer um uso distorcido e inadequado da Astrologia, como se ela fosse um simples sistema analítico, um tipo de psicanálise meio mística, meio muzzarela, uma linguagem descritiva que insiste em determinar o Ser, mantê-lo dentro do seu próprio nível de exigência e de seu critério de realidade, confortável e talvez até feliz, mas mudar mesmo, ah! Isto jamais!

E como estamos todos de alguma maneira comprometidos com o Sonho do Planeta e com a manutenção deste sonho, uma das características fundamentais para que consigamos sobreviver à ausência de nós mesmos, à perda de contato com nossa essência, é jamais pararmos para pensar no que somos e no que poderíamos ser de verdade, jamais fazer autocrítica, pois o distanciamento crítico pode nos fazer perceber que talvez estejamos vivendo um imenso equivoco. E o tal do Sonho do Planeta e suas leis, não permite que se faça isto, pois a ilusão da vida é muito frágil diante da força da Vida, e não sobreviveria a um milímetro de coragem e consciência.

Podemos formar uma imagem curiosa sobre o estado de vida dentro do Sonho. Se considerarmos a Água, elemento que representa o sentimento nos planos mais profundos e reais, e as emoções quando se refere esta energia à expressão do Ego; e se considerarmos o Ar o elemento através do qual se forma a realidade “pensada”, idealizada, onde se formam as ilusões, que sempre são descrições de como percebemos a realidade -- , e se entendermos que vivemos normalmente a fusão deste mundo das idéias e deste mundo das emoções, o que cria um Ar molhado, ou uma Água aérea, algo muito semelhante a uma neblina, uma névoa que é talvez o elemento mais ativo e participante na formação de nosso cotidiano, de nossas ilusões.

Teríamos aqui um quinto elemento, a Neblina, que é a fusão do sentimento com o pensamento, da água com o ar, e que carece principalmente do elemento Terra, o elemento das sensações e da forma. Se assim for, onde está neste úmido universo a realidade física? Bem... De certa forma, é toda ela uma criação da mente e dos sentimentos, ou dos desejos... Figuras criadas da neblina, com a mesma substancialização dela, efêmera como ela, pois qualquer golpe de ar, o que dentro desta simbologia representaria um pensar vigoroso e realista, ou uma onda mais forte na água das emoções, espalha a neblina, deixa entrar a Luz e apaga todos os fantasmas, as expectativas, a realidade criada com esta substância da qual se formam os sonhos.

FALANDO DO HORÓSCOPO

O horóscopo mostra, em princípio, duas possibilidades:

A primeira é um ser natural, o “Homem Natural”, uma entidade plena, absoluta e integralmente comprometida com o organismo planetário que ele habita, como uma célula, como uma bactéria integrada a seu hospedeiro. Acreditamos que o horóscopo originalmente nos apresenta este Homem, esta entidade natural.

Este “Homem Natural” na verdade é uma entidade imaterial, uma pura expressão energética, uma “emanação da Águia”, como diria Don Juan. Ele é composto de energia caótica e, quando em sua organização energética natural, ou seja, quando esta energia pura começa a se organizar, em sentimentos e intenções.

Estes Sentimentos e Intenções são expressões naturais da energia cósmica, correspondem à expressão da vida em si mesma e é a matéria prima da qual se faz a realidade, da qual se compõe a real realidade, que é a realidade do encanto, e não da ilusão.

O acesso a esta realidade primeira, composta de Sentimentos e Intenções é a obtenção do estado de Graça, um estado que corresponde a ter consciência e contato com a energia fundamental dos sentimentos e intenções.

O Sentimento, no caso, não deve ser confundido com Emoção, que é uma expressão do Ego e da Psique. Sentimento existe em todos os seres, independente do uso ou não da razão. É uma forma pura de expressão da energia essencial, seja a alegria, seja o medo.

A Intenção é a força natural que move os átomos, que dirige e movimenta a energia, conduzindo-a para um estado de aglutinação, orientando-a para a forma e dando a ela consistência. A intenção conduz a energia do sentimento para o mundo da forma e das sensações, o mundo do “Tonal”.

Poderíamos dizer que o Horóscopo mostra o plano energético do homem, onde o sentimento e a energia vital em estado puro se direcionam para este ou aquele módulo, e mostra também em uma Segunda etapa a aglutinação desta energia caótica, onde ela toma forma e se transforma em realidade, em gesto, em objeto, em personalidade ou qualquer outro tipo de forma que a energia aglutinada possa assumir.

Tudo que existe, o som, a cor, o gesto é materialização da energia vital e caótica da qual se compõe o universo. A física moderna prova e comprova isto.

Quando unimos – através da intenção – a energia essencial, vital e caótica, que nomeamos aqui como “sentimento”, com a energia aglutinada e formatizada que chamamos matéria ou realidade, construímos e permeamos o mundo, atravessamos os espaços vazios entre as formas e os gestos e expressamos e experimentamos o que chamamos Vida.

A segunda coisa que o horóscopo mostra, é onde este Homem Natural é mais frágil, onde ele pode ser manipulado e receber programas e condicionamentos que distorçam sua natureza, quais seus pontos fracos, por onde uma realidade externa pode ser implantada em sua psique. Mas o horóscopo não mostra que isto vai acontecer, apenas nos sugere por onde pode acontecer, ou que simplesmente pode acontecer.

Somos apegados ao sonho do planeta, e este é talvez, o paradigma mais fundamental da existência do Homem contemporâneo. Don Juan dizia que o homem é um macaco agarrado à sementes dentro de uma cabaça. Ele sabe que para ser livre basta abrir a mão e largar as sementes, mas não faz isto, não consegue fazer. As sementes são o Sonho do Planeta, são nossas expectativas sociais que nos aprisionam, são a imagem que construímos para sermos aceitos e coerentes com o Sonho do Planeta.

A visão que temos do horóscopo tende a ser a visão de seres agarrados à sementes dentro da cabaça, nos recusamos a largar as sementes, nos recusamos a abrir mão de um modo de ver as coisas e de nossa mania de alimentar a auto-imagem que nos foi proporcionada por nossos pais e pela sociedade. Esta é a Segunda visão do horóscopo, aquela que mostra nossas fragilidades e mostra nosso comprometimento com o que esperam da gente.

Neste caso, o mapa astrológico passa a ser um excelente referencial de expectativas. Cada configuração, cada aspecto vai representar um tipo de expectativa, algum espaço a ser preenchido, algum tempo a ser vivido, mas sempre dentro de um padrão que não é necessariamente o nosso. O mapa passa a ser um mapa da expectativa que o mundo tem de nós, e nossas expectativas passam a ser reações ao que o mundo externo espera de nós, num tipo de ciclo, e assim é visto e interpretado.

De alguma forma, existe algo como uma “expectativa coletiva”, que cria a realidade como nos a concebemos, o Sonho do Planeta, o “mitote” dos xamans, e esta expectativa é maior e mais poderosa que nossa capacidade pessoal de idealizar e criar nosso próprio sonho, nossa própria realidade, e de alguma maneira nos constrange ou nos corrompe ou nos seduz e nos obriga a nos submetermos a ela, a submetermos nossas qualidades pessoais e nossos talentos a ela.

Estamos nos perguntando neste momento: “... mas o que vamos olhar no horóscopo então? Este cara é maluco! A vida é o que é, e temos que usar a astrologia para melhorá-la, o que já é uma grande coisa...”

Isto está certo, é assim mesmo que fazemos, estamos agarrados demais às sementes dentro da cabaça para imaginarmos que poderia ser diferente. Coisa de sonhador que acredita que podemos sair deste sonho...

Mas existem pequenas coisas que podemos fazer. Tentativas frágeis, delicadas, suaves diante da imponência do sonho que nos consome e absorve tanto, diante da nossa necessidade de preservar nossa imagem construídas, nossa crença em um mundo e em um tipo de mundo que aprendemos a amar.

A primeira coisa a fazer, é entender o mapa dentro do conceito de Energia Pura, energia vital, energia do Caos, e a partir disto, fazer uma fusão entre este conceito e os conceitos de forma, de materialização desta energia, pois que tudo é energia, apenas olhamos de um lado físico formatado ou de um lado energético sem forma.

Precisamos considerar que, o Ser está submetido a um contexto maior que ele, o ambiente planetário, as condições sociais ao nosso redor são muito poderosas, e qualquer análise que fizermos de um indivíduo, através do horóscopo ou outro instrumento, tem que levar em consideração esta pressão do ambiente. A analise pode ser feita não a partir dos potenciais do indivíduo, simplesmente, mas da correlação entre suas qualidades naturais e a possibilidade destas qualidades se manifestarem em um contexto que, pode ser hostil a algumas qualidades e bastante favorável para outras.

Por exemplo, se analisarmos o potencial de relacionamento de alguém, através da observação da sua Questão VII, seu regente, os planetas que estão nesta casa, a casa onde se encontra o regente acidental desta área, a situação de Vênus como indicador universal da questão, e também a Lua como referencia dos nossos filtros e defesas inconscientes. Se considerarmos os campos de projeção psíquica envolvidos com esta área, como a casa XI e a casa III, respectivamente a casa V da VII e a casa IX da VII, onde se cristalizam os relacionamentos, e onde eles se tornam ideais ou idealizados, enfim... Toda avaliação dos potenciais de relação desta pessoa tem que levar em conta o mundo físico no qual ela vive, a realidade social, o que o Sonho do Planeta espera dela em termos de relacionamento, não é possível analisar estes potenciais sem levar em conta toda a pressão e todos os condicionamentos aos quais esta pessoa é submetida desde a infância.

Toda questão amorosa, ou melhor, tudo que envolve os relacionamentos e associações da pessoa, representados pelo sétimo acorde e suas configurações, como exemplifiquei acima, depende dos critérios coletivos de amor e relacionamento, depende das leis e regras estabelecidas pelo Sonho do Planeta e reconhecidas pela sociedade como o que é certo ou não é certo.

Mas dentro de nós, muitas vezes aparece um ser selvagem, aparece a necessidade de viver o amor e a relação em outra dimensão, talvez mais instintiva, talvez mais biológica, menos formal, e ai, ai vem a cobrança, a culpa, o sentimento de estarmos transgredindo as regras.

Que regras são estas? Algumas são determinadas pelo bom senso, outras pelo respeito aos limites e contingências biológicas do ser humano, mas estas, nosso instinto, se não estiver detonado, nunca quer transgredir, pois não há força que nos afaste da vida em si mesma, a não ser a loucura e o excesso de pressão, esta transgressão biológica e agressão à própria vida não está no horóscopo.

Outras regras, aquelas estabelecidas pela necessidade do Sonho se auto-alimentar e se preservar, aquelas que tem conotação meramente moral e apenas servem para conservar a forma e o padrão sócio/cultural aceito pelas leis do Sonho do Planeta, muitas vezes distorcem ou bloqueiam a livre expressão dos potenciais do horóscopo, e a partir disso, dizermos que Vênus ou o planeta que está presente na casa VII representam um potencial de relacionamentos A ou B pode ser um grande equivoco, tanto de quem está interpretando, quanto de quem está ouvindo.

Se nós pensarmos no relacionamento – ainda dentro deste exemplo – em um plano natural e instintivo, estaremos abordando questões que talvez nunca possam ser devidamente expressas pelos bloqueios e impedimentos determinados pelas Leis morais do grande Sonho. E se nós – interpretes – por estarmos também submersos e comprometidos com o Sonho, fizermos uma leitura dentro de nossa percepção e decodificação “autorizada” dos símbolos, sempre dentro da Lei que nos foi imposta e por nós assimilada, certamente nossa interpretação vai “bater”, ficaremos orgulhosos de sermos “bons astrólogos” e vamos endossar os padrões sociais de relacionamento permitidos e estabelecidos pelo Sonho.

E nada vai mudar, e nada vai acontecer simplesmente.

Bem, talvez isto seja o certo e eu esteja especulando sobre uma utopia, uma impossibilidade não é?

Mas vou continuar nesta especulação, pois algo dentro de mim está insatisfeito e pede que eu continue esta escavação dentro dos critérios que nortearam minha própria vida. Pressinto, sinto como que um certo brilho, uma chave, uma passagem que não consigo ainda atingir, mas que está lá me esperando, e se eu insistir e continuar, em algum momento a porta se abre, e ai posso escolher entrar ou ficar, mergulhar ou ficar. A escolha ainda é minha.

Acredito que os arqueólogos e outros exploradores de mistérios, diante de uma caverna, diante de seu sentimento de busca e questionamento, sentiam que haviam portas, recantos, mistérios para ser descoberto atrás de cada sombra, dentro de cada obscuro espaço a ser penetrado. É o que sinto neste momento. Mas também tenho a sensação de que, se continuar, tudo que eu sempre soube, ou achei que sabia, perderá o sentido, e que talvez, se descobrir novas verdades, novas versões para a verdade, se conseguir por uma fração de segundo ficar independente do sonho, saltar do aquário onde estou submerso, ficarei só.

E este é nosso maior medo. Nos agarramos às informações assimiladas, às regras que nos deixam seguros e coerentes, aos comportamentos, aos estilos, às técnicas que permitem uma aceitação de nosso trabalho, de nossa vida pelas pessoas, e sabemos que, se nos atrevermos a questionar e contestar tudo isto que praticamos, o preço pode ser o isolamento, o deboche, a ironia dos que permanecem. Por isso é mais fácil, é mais cômodo não questionar, não colocar em dúvida nosso conhecimento, nosso trabalho. Por isso é tão incomodo questionar a Astrologia e a pratica da astrologia que tem sido tão “eficiente” durante estes séculos, ou décadas. Eficiente para manter o mundo como ele é, apenas isto.

Não estamos tolamente pretendendo mudar o mundo, ou simplesmente quebrar as regras, mas temos a lucidez de perceber que tem alguma coisa que não encaixa nisto tudo, alguma coisa que, apesar de toda informação maravilhosa que a Astrologia e a análise do horóscopo proporcionam, continua igual, sempre a mesma, como um som contínuo, tão perene que já não o ouvimos mais. Tantos anos de trabalho e na verdade, nada mudou, pelo menos nada que não mudaria naturalmente, dentro dos limites permitidos à nós, seres domesticados, de mudar. A corrente do cachorro vai até um certo ponto, e ele se acostuma tanto a isto, que raramente sente que está acorrentado, e acaba entendendo a corrente como uma parte do seu próprio corpo.

Quem se olhar um pouco, com algum distanciamento crítico, certamente sentirá. E o que estou dizendo não é uma insatisfação pessoal apenas, não é uma mera visão egóica do mundo sustentada por meus próprios problemas, que estes eu administro. É uma percepção maior, como uma voz, como um ruído incomodo, como o sentimento de que estamos sendo sonhados por um imenso sonhador, e que nos esquecemos a muito tempo de quem realmente somos e podemos ser, e tudo que fazemos é com a finalidade de endossar e reforçar este esquecimento, inclusive a Astrologia.

Nossa tendência normal é negar, ironizar, sermos sarcásticos com tudo aquilo que nos incomoda. Temos este tipo de procedimento como atitude pessoal muitas vezes, mas temos também como atitude coletiva quando algo, uma nova informação, um novo questionamento, vem mexer com os padrões de ilusão aos quais estamos acostumados e condicionados. A gente para de ler, a gente para de pensar, a gente diz que é uma babaquice qualquer coisa que atinja o ponto de ruptura, que passe perto da tênue membrana que divide o plano do sonho do plano da realidade. Negamos e ironizamos tudo que nos possa conduzir ao ponto de ruptura porque precisamos de defesas contra o desconhecido, e precisamos de estratégias para nos sentir alguma coisa dentro de uma realidade sonhada, e nem sempre sonhada por nós mesmos, e estas estratégias, como a ironia e o deboche, por exemplo, invalida e ridiculariza toda alternativa que não seja aquela à qual estamos passivamente condicionados.

Existem práticas, procedimentos, atitudes mágicas e rituais que permitem que a gente vá despertando e se recordando de nosso estado Natural, lembrando que somos anjos que se esqueceram de sua condição divina e se comprometeram e se corromperam com o plano da forma. Vamos ousar falar disso, e ousar tentar chegar a algum lugar, que na verdade é lugar nenhum...

Estas indagações todas talvez não levem a nada, talvez levem à tudo, não importa. Fazendo se faz, caminhando se faz o caminho, e isto importa.

CARREGANDO A CRUZ

A cruz, os quatro grandes ângulos do horóscopo determinam os vértices da estrutura, os pontos de partida do modelo, da estrutura existencial simbolizada pelo mapa. Por isso a cruz é tão importante em tantas cosmogonias, tão importante como símbolo em tantas magias, em tantas alquimias. Representa a estrutura, todas as estruturas, e através dela, desta misteriosa chave “tetra” podemos abrir muitas portas e termos acesso a muitas dimensões.

Quatro estilos, quatro formas, quatro caminhos distintos de manutenção e incorporação do Sonho do Planeta e suas leis são perceptíveis através da Cruz.

O primeiro, correspondente, tem analogia com o ascendente, é o CAMINHO DO GUERREIRO, que é o caminho do Ser que sabe permear e caminhar através da realidade, é a marca da impecabilidade no agir, que permite que a pessoa se desenvolva e realize seu projeto.

Mas no plano do Sonho, o Guerreiro é domesticado e treinado para ser um Herói, apenas um Herói, e viver passa a ser um ato de heroísmo, enquanto que para o Guerreiro, a vida é uma luta para ser lutada, um caminho para ser percorrido, uma aventura para ser vivida.

O Herói é um cretino. Todo seu movimento é sustentado pelo Medo, pela covardia, pelo sentimento de que se não fizer o que lhe mandam fazer será abandonado à sua própria sorte, ficará só, como todos heróis acabam ficando.

A fenomenologia motivadora da performance do Herói inclui sempre o Medo, a Vaidade e a Moral, respectivamente as anti-virtudes dos signos do elemento fogo, Áries, Leão e Sagitário.

O Guerreiro assimila as virtudes, as qualidades positivas destes signos, respectivamente, a Ação, a capacidade de Centralizar e a capacidade de Idealizar.

Mas o que o Sonho do Planeta e sua interface, nossos pais e educadores nos cobram, é ser Herói, que é muito mais cômodo e pertinente à manutenção de um sistema neurótico de valores. Todas as cobranças sociais implicam em Medo de fracassar, de não ser o melhor, ou em sentimentos dolorosos quando nossa Vaidade é atingida, e muitas vezes por Vaidade alimentamos situações e relações impertinentes e infelizes, só para não “parecer” que fracassamos aos olhos dos outros. Finalmente, a cobrança Moral é uma das mais limitadoras e dolorosas e castradoras que vivemos, e não estou me referindo à moral biológica e natural que todos o seres tem que viver, mas sim à moral tacanha e limitadora que sempre implica no Julgamento que as outras pessoas, também escravas desta moral limitadora, podem fazer de nós.

O Guerreiro, que é uma entidade ideal e liberta do Sonho do Planeta, não tem Medo de fazer o que tem de fazer, apenas tem os cuidados naturais de auto-preservação, os medos biológicos; não se rende à Vaidade, porque não olha para traz para saber se agiu certo ou errado, exatamente porque age com o coração, e não com as instruções e regras que sua mente assimilou durante a fase de domesticação da psique. Por não se entregar à vaidade, a anti-virtude de Leão, o Guerreiro não tem que ficar provando que está certo, que fez a escolha certa, e por isso, pode tranqüilamente desistir de suas escolhas inadequadas, pode aprender com elas e simplesmente cair fora sem preocupação com o julgamento dos demais, ou com a idéia de ter fracassado ou feito sucesso. Por ser assim, o Guerreiro permite que flua através dele a grande virtude de Leão, que é a capacidade de centralizar e liderar. Mas poucos podem reconhecer isto, que seu medo, vaidade e moral os fazem seguir sempre lideres que endossem justamente estas características escravizantes, e jamais as qualidades que promovam liberdade.

Estes três signos de fogo são projeções e emanações do Ascendente, o ponto de partida da existência, onde tudo começa, onde se define o Projeto de Vida de uma pessoa.

Neste ponto inicial, e principal – no sentido de principiar – , se concentra nossa possibilidade de escolhemos ser Guerreiros ou Heróis, e isto definirá toda a nossa caminhada através da existência.

É interessante fazermos uma avaliação histórica de nosso comportamento e tentarmos perceber o quanto somos Heróis em nosso cotidiano, o quanto a vida é dura com a gente, o quanto vivemos encurralados e sob ameaça constante do fracasso e da dor. Se prestarmos atenção em nossa própria história, perceberemos como quase sempre escolhemos os caminhos mais difíceis, seja nos relacionamentos, ou na profissão, e depois não conseguimos mais sair deles, pois a Vaidade não permite que sejamos vistos como “desistentes” ou fracassados, e por suportarmos todas as pressões, por nos sentirmos responsáveis todo tempo por tudo e todos que nos cercam, mesmo que este “tudo que nos cerca” seja muito parcamente prazeroso, muito pouco satisfatório e quase nunca nos fazendo felizes de verdade, por tudo isto, podemos nos considerar verdadeiros Heróis.

Mesmo as pessoas que escolhem caminhos de acomodação, como um casamento de conveniência, ou um emprego público daqueles aparentemente perpétuos, são certamente heróis, pois tem que suportar um ambiente medíocre, tem que suportar insatisfação sexual e afetiva muitas vezes, tem que aceitar o fato de não serem livres, de serem escravos estilizados da vontade e dos recursos de outras pessoas. São verdadeiros Heróis por tolerarem por décadas, e as vezes não saberem, não terem a menor idéia de quem são na verdade. São Heróis por terem tantas vezes que mentir para si mesmos de que são felizes e são aceitos pelos demais. Aceitos pelo que não são, é verdade, mas “ser aceito” é uma necessidade e uma condição fundamental do Herói e uma das principais imposições do Sonho do Planeta.

A grande qualidade do Guerreiro, fora a utilização dos melhores recursos da trilogia do Fogo – ação, centralização, idealização – é sua capacidade de “estar presente”, estar aqui e agora, e isto significa não se comprometer com o passado, não ser vítima de sua própria história, não se sentir obrigado a manter a tradição que lhe foi imposta, e isto vale desde o compromisso com o nome de família ou com a característica racial com que nasceu, até a necessidade de obediência passiva aos ancestrais, ou dependência financeira, moral ou psicológica deles. E isto não significa que o Guerreiro não ame ou respeite seus ancestrais. Pelo contrário. Seu amor é mais verdadeiro e autentico do que o daqueles que apenas se conformam e fazem porque foram “treinados” a acreditar que aquilo é o certo, não importando se estão felizes ou não com sua postura.

O “Estar Presente” é uma senha, uma formula poderosa para ingressarmos no caminho do Guerreiro e obtermos força e consciência para nos desvincularmos um pouco mais do Sonho do Planeta. Estar Presente implica em utilizar as quadraturas entre o Ascendente e as casa IV e X como a corda de um arco, como uma tensão positiva que nos impulsiona e nos atira em direção ao nosso futuro e a nossa liberdade. Isto significa se desvincular do peso e do compromisso passivo com o passado (casa IV) e da escravidão do Status (casa X), que é um tipo de compromisso com o futuro idealizado e esperado de nós pelas leis do Sonho. Esta relação com o passado e o futuro pode ser uma mola propulsora positiva para Agirmos, Centralizarmos e Idealizarmos, ou pode ser uma resistência negativa para vivermos com Medo, escravizados à Vaidade e a Moral que se originam e são representadas por estas áreas da vida e do horóscopo.

Para Estar Presente, alem do questionamento que devemos fazer em relação ao nosso vínculo com o passado e com o futuro impostos, existe uma atitude essencial que deve estar sempre em pauta, uma atitude que deve ser o centro e a essência de nossa conduta cotidiana, e que deve permear todos os nossos gestos e atitudes e palavras: a Verdade.

Para assumirmos a condição de liberdade do Guerreiro e nos libertarmos da escravidão e do compromisso desgastante de sermos Heróis, precisamos ser verdadeiros em tudo que fazemos, temos que dizer a verdade em cada palavra, mesmo que doa, mesmo que isto nos traga transtornos e nos faça ser “mal vistos”, pois a preocupação de ser ou não “mal visto” é um problema de quem está comprometido com o passado e com o futuro, é um problema de quem não está aqui, não está presente, é um problema do Herói.

A impecabilidade do Guerreiro portanto implica em ser absolutamente verdadeiro em tudo que faz ou diz. Apenas isto. É simples. Basta fazer.

Dizer a verdade é uma atitude que nos conduz diretamente ao outro vértice da cruz, ao ponto oposto ao que simboliza o Guerreiro, aquela que chamamos de Casa dos Relacionamentos, ou campo de projeção psíquica onde nos projetamos no “outro”.

VIVER O OUTRO, OU A SI MESMO

O braço da cruz que representa o “outro”, ou o “Tu”, é o espaço oposto ao ponto que simboliza o Guerreiro, é seu complemento, é o campo onde projetamos nossas expectativas, onde se configura a ilusão da existência, a ilusão do que pretendemos ser. É onde encontramos o “outro”, e é onde buscamos o “outro”, onde tecemos e criamos um ambiente onde expressar nossa identidade.

Chamamos a este espaço, à experiência descrita por ele e ao modelo arquetípico que ai se forma de “Amante”, que é quem ama, quem se relaciona, quem estabelece contatos energéticos e mentais com a realidade. É o movimento de nos confrontarmos com nosso reflexo no mundo, de nos vermos através dos olhos das outras pessoas, de praticarmos aquilo que se chama relacionamento, enfim, é a atitude que cria o ambiente e a realidade como nos podemos percebê-la.

Neste caso, este campo de projeção psíquica será correspondente ao território onde o Sonho do Planeta toma forma, se materializa, a partir de nossas expectativas, das expectativas do Guerreiro ou do Herói, conforme for nosso grau e nossa experiência.

É por isso que a questão do Relacionamento é tão importante, talvez a que demanda maior energia e desprendimento em nossas vidas, pois é através desta experiência que a realidade se forma, e o Sonho passa a ser parte de nossas vidas, o Sonho do Planeta se torna realidade. É por isso também que, dentro de um modelo que não é o de nossa essência, não é o que verdadeiramente o Guerreiro livre do Sonho procura, existem tantos problemas, frustrações, angustias relativas ao relacionamento. É através da imposição de um padrão de relacionamento pertinente ao grande Sonho que nos vivemos em um estado de carência e solidão, porque para as Leis do Sonho, Eu sempre preciso de alguém para me completar, Eu nunca estou completo em mim mesmo, Eu jamais me basto, nunca sou pleno. O “outro”, dentro deste modelo de pensamento, é a confirmação e praticamente a razão da minha existência, e ai começam os problemas todos.

Quem procura por precisar, encontra seu semelhante, aquele que também precisa, e daí são dois precisando, o que multiplica as carências e debilidades energéticas de cada um. Quem não procura, por estar completo e pleno, encontra – sem procurar – aquele que também está completo e pleno, e a relação acontece em um plano de completamento e plenitude. Mas isto não é o que nos é ensinado pelos nossos formadores e mestres. É ensinado que temos que procurar no “outro” nosso complemento e totalidade, e que sozinhos pouco valemos e sofreremos de solidão. É uma informação e um condicionamento muito forte este, e nos condena a viver um medo constante e angustiante da solidão, e nos obriga a viver em busca do outro para apaziguar este medo ensinado.

É tão incomoda esta informação, que me sinto constrangido de escrever isto. Penso enquanto escrevo que, a necessidade de encontrar alguém é absolutamente natural e instintiva, a necessidade de me sentir completo compartilhando meus sentimentos com alguém é correta, e não uma fonte de sofrimento. Penso também que sempre existe alguém que nos completa e nos faz feliz. Lembro meus amores e os momentos de felicidade que já vivi nesta existência através de relacionamentos intensos e enriquecedores, e algo em mim quer afastar esta idéia de que já sou completo, sempre fui completo, e que na verdade não preciso de ninguém para me completar.

É impressionante o condicionamento, e como ele nos possui e modula nosso pensamento, criando constrangimento e culpa quando nos atrevemos a questioná-lo. Neste momento preciso fazer uma revisão e tentar perceber se é mesmo uma verdade que sou completo, e que não preciso de ninguém, e que quem andar ao meu lado, também é uma pessoa completa que também não precisa de ninguém. Se for mesmo assim, o que nós temos para trocar na experiência amorosa, no relacionamento?

Será nossa plenitude?

Me aprofundando em um tipo de revisão dos relacionamentos mais marcantes e importantes que tive em minha vida, e também na vida de pessoas próximas, percebo que realmente houve uma troca em todos eles, houve um crescimento, uma descoberta. Nada do que se arrepender. Mas percebo também que os relacionamentos, dentro do molde em que foram adaptados, sustentados pelo preenchimento das carências e ausências, jamais trouxeram a consciência de nossa totalidade. Sempre nos “noves fora” restou a sensação de ausência, abandono, fracasso e solidão, mesmo considerando o lado bom da experiência amorosa.

Nunca saímos mais completos do que entramos em um relacionamento. Saímos mais experientes, mais sábios, mais duros e espertos talvez, mas nunca com o sentimento de estarmos mais completos, mais inteiros. Porque é assim? Sempre o abandono e a solidão, nos conduzindo a acreditar que não nos bastamos, que sem o “outro” não somos nada, ou quase nada.

Concordo que é difícil, diante das experiências permitidas, diante da percepção permitida dentro das Leis do Sonho do Planeta, a gente sentir que pode ser uma pessoa inteira e completa. Tudo, toda a realidade e circunstâncias e referencias que podemos ter ao nosso redor, depõe contra a idéia de que somos auto-suficientes. Isto e um dos fatores mais importantes para nos manter atrelados à ilusão, ao Sonho do Planeta, pois, uma pessoa que tenha consciência de sua plenitude, de tua totalidade, é uma ameaça ao estado geral das coisas, é um elemento subversivo e perigoso.

E toda sociedade, e todos aqueles que estão em busca de um amor fora de si, de um completamento fora de si, ou ate de tolices como “alma gêmea”, sentem como uma agressão à sua crença neste princípio ilusório do Sonho, que afirma que não somos completos e precisamos do “outro” sempre, enfim, a grande maioria das pessoas, vai condenar e criticar e isolar aquele que luta para ser um Guerreiro auto-suficiente, aquele que acredita que pode compartilhar sua totalidade e viver amorosamente, mas não porque precisa, porque é da “lei”, e apenas porque assim o quer.

Bem, quem está neste estado de consciência, quem se propõe a ser um Guerreiro, realmente não vai se incomodar de ser criticado e isolado e visto como um “alienígena” ou um maluco pelas pessoas ao seu redor. Mas certamente vai ter que pagar um alto preço pelo isolamento que a solidariedade das pessoas ao Sonho, sua submissão às Leis do Sonho, vão desencadear. E na maioria das vezes a pressão é tanta, que é melhor voltar atrás, se tornar “normal”, se tornar “aceitável” para que parem de Julgá-lo e condena-lo utilizando a convenção estabelecida pelo Sonho do que é certo e errado. E ser auto-suficiente como Ser Humano é errado para o Sonho.

Quando nós analisamos a sétima questão do horóscopo sob este prisma, dentro do enquadramento destas Leis, que alternativa temos? O que podemos perceber e decodificar dos símbolos planetários, senão a possibilidade permitida de completamento através do “outro”, quais as possibilidades, as dificuldades, os obstáculos, as facilidades de isso acontecer para aquela pessoa; que tipo de perfil ela precisa para se “completar”, e assim por diante. Saímos satisfeitos por ter feito uma análise precisa e adequada, e a pessoa sai satisfeita por agora ter alguma resposta, alguma perspectiva ou esperança de melhorar sua vida afetiva.

Nunca interpretamos a casa VII em termos do que a pessoa pode ou deve buscar dentro de si mesma para se tornar inteira. Sempre traduzimos esta questão como a casa das “associações” ou dos “inimigos declarados”, e isto é certo, mas é certo apenas dentro da ilusão na qual vivemos submersos, da ilusão de que a realidade depende do “outro” e não de nós mesmos, apesar da dificuldade de reconhecermos isto, que nossa psique não foi treinada para ver alem do que nos é permitido pelo Sonho.

O Amante, a figura arquetípica que representa a sétima questão, o complemento do Guerreiro. Como já dissemos, o Guerreiro é uma condição de independência e serenidade, de certeza e precisão, de impecabilidade acima de tudo, e principalmente, é a possibilidade de sermos Verdadeiros, de possuirmos a Verdade como arma, como instrumento, mesmo que doa, mesmo que arranhe, e isto nos liberta do Sonho, pois as condições em viver no estado de ilusão implicam em mentir, para si mesmo e para os outros, e se conseguirmos ser verdadeiros conosco, ser verdadeiros em nosso contato com os outros, estaremos nos libertando da condição de falsidade, estaremos nos despojando das mascaras com que nos vestiram para sermos aceitos neste mundo.

É interessante que, ao ter como modo de vida a Verdade, o Guerreiro encontra condições para descobrir dentro de si mesmo a figura do Amante, ou seja, descobre a habilidade de se relacionar de uma forma madura e independente, pois a dependência passiva e a necessidade compulsiva do outro, implica em não sermos Verdadeiros com nossas possibilidades reais, e muito menos com o “outro”, pois apenas o estamos usando para suprir nossas carências e obedecer ao modelo de que “temos que ter alguém” por não nos bastarmos.

Quando o Guerreiro incorpora dentro de si o Amante, ele se torna uma totalidade, ele se basta, ele está completo por si mesmo, e neste caso, o “outro”, a pessoa fora dele, é um espelho de suas qualidades e de sua liberdade, portanto, um complemento saudável que conduz sempre ao crescimento e à independência pessoal.

Quando o Guerreiro, antes de conquistar esta condição e se ver livre da ilusão, é ainda um Herói, ele encontra aquilo que o Amante é antes de conquistar este estado superior: uma criança Mimada, um ser que existe para ter seus desejos e carências satisfeitos pelos outros, uma pessoa que precisa ser paparicada e cortejada todo tempo para acreditar em si mesma. O Herói e o Mimado se complementam, tanto quanto o Guerreiro e o Amante.

O Herói e o Mimado são a expressão mais autentica de um relacionamento dentro das Leis do Sonho do Planeta. Basta olharmos ao nosso redor e em nossas próprias vidas e fazermos uma avaliação crítica das condições gerais dos relacionamentos que vivemos e conhecemos. Um é sempre Herói, sempre lutando para manter o padrão, sempre sofrendo e reclamando que tem que fazer tudo. O Herói dispensa seus sonhos pessoais, abre mão de sua liberdade e comete o sacrifício de sua própria alma em nome do relacionamento, um imenso gesto de heroísmo, um grande sacrifício sempre, aliás, não é difícil percebermos nos relacionamentos “normóticos” esse tipo de condição de sacrifício de ambas as partes, inclusive temperado e endossado com frases do tipo “é necessário abrir mão e fazer concessões de ambas as partes para que o relacionamento funcione”, e isto, esta frase por exemplo, é aceita por todos nós como uma coisa absolutamente normal. Desde quando fazer sacrifícios para poder amar é normal? Desde quando, ou quem disse que o Amor exige sacrifícios? Porque o sacrifício?

Estar nesta condição “sacrificada” para poder se relacionar é uma condição para que nos mantenhamos pequenos e atrelados à grande ilusão. O sofrimento é uma ilusão que nos une enquanto somos pequenos e não temos consciência de nossa plenitude. Podemos observar também uma imensa quantidade de casais, independente da opção sexual, que se empenha em sabotar um ao outro, em manter o outro em uma condição de dependência e fragilidade, muitas vezes agindo até de uma forma inconsciente para isto, para desta forma manter a relação dentro deste padrão de sacrifício, e às vezes de miséria material ou emocional, tudo isto porque estão comprometidos com uma das muitas Leis constatáveis do Sonho do Planeta que diz que a relação tem que ser Eterna, tem que durar para sempre, e se não durar, é porque Você fracassou, não deu conta, não teve competência para “segurar” o outro a seu lado, não teve “controle” da situação (a necessidade de controlar as coisas, inclusive o sentimento, é outra das grandes ilusões que aprendemos ser necessárias à sobrevivência dentro do grande Sonho).

O Guerreiro e o Amante sabem que Eterno quer dizer “É Terno”, ou seja, Com Ternura, o que cria outra dinâmica para qualquer relacionar-se, sugere uma condição de troca e de afeto, e não de perenidade, que é uma tolice, aliás, a perenidade da relação nos remete a outra questão muito importante dos modelos ilusórios que nos são impostos pelo Sonho do Planeta: a de que a Morte não existe, ou não é para nós, ou é para algum momento muito distante perdido no tempo. Aqueles que se aproximam dos arquétipos da liberdade sabem, e sabem muito bem que a Morte é a única certeza, o único poder verdadeiro, e está ao nosso lado, como uma aliada que nos induz a viver intensamente e plenamente e principalmente, ela, a Morte nos ensina a “ficar presentes”, assumir e usufruir do momento, do agora, já!

O horóscopo pode ser um referencial muito útil para entendermos os mecanismos que nos conduzem a nos identificarmos com o modelo do Mimado, e nos distanciam do amadurecimento e do crescimento que nos transformará em Amantes.

Quando observamos a sétima questão e todos os seus indicadores, os planetas nesta casa, o regente, Vênus, e todas as configurações envolvidas, podemos interpretá-las, como já disse antes, dentro de um modelo que insiste na carência e na necessidade do “outro” como base para que “Eu Seja”. Mas podemos olhar sob outro prisma, entendendo cada indicador e cada configuração como um caminho para mim mesmo, para o Self. Cada indicador um instrumento de expressão de minha capacidade e totalidade, e não uma referencia do que eu busco ou preciso no outro. Sempre o que eu busco e preciso em Mim mesmo, pois só “aqui” posso encontrar o que busco.

Mas para conseguirmos olhar o mapa assim, temos primeiro que acreditar que somos livres da imposição de um padrão sócio cultural de relacionamento que é marcado pela dependência e pela carência. Será que estamos preparados para abrir mão assim de séculos de condicionamento? Será que estamos preparados para assumir nosso instinto, deixar que nossos animais de poder tomem conta de nosso destino? Deixar que o conceito de humanidade que há tantos anos adotamos seja simplesmente jogado no lixo?

Os três signos ligados à sétima questão, Libra, Aquário e Gêmeos, simbolizam três direções básicas do comportamento cujas chaves são respectivamente a capacidade de harmonizar , o dom de descentralizar e o talento para informar, representando os recursos básicos para que ocorra o relacionamento humano. Quando estas condições não são atendidas pelo fato da pessoa não ter amadurecido psicologicamente e assumir um comportamento inadequado e mimado, o que afloram são as anti-virtudes, as qualidades negativas destes signos, ou seja, a harmonia de libra se transforma em necessidade de justificativa, e justificar um erro ou uma falta é tornar este erro justo; a natureza descentralizadora de Aquário, condição básica para a liberdade, que por sua vez é necessária para que ocorra um relacionamento saudável, se transforma em necessidade de poder, em função da própria fragilidade daquele que não se sente, segundo os condicionamentos do Sonho, o centro de um universo pessoal, e finalmente, o potencial de informar e comunicar próprio do signo de Gêmeos, quando distorcido pela carência e sentimento de inferioridade daquele que não aprendeu a contar consigo mesmo se transforma em fofoca, a popular e vulgar fofoca, que é a mais distorcida e perversa das formas de comunicação pessoal, e é típica dos que não conseguem também estabelecer um vínculo harmonioso com os outros por não serem capazes de se relacionar consigo mesmos.

Para sermos “um” conosco e com o “outro”, é necessário que sigamos uma regra muito simples e essencial: Dizer sempre a verdade e não julgar.

Com a simples aplicação deste procedimento, nós nos libertamos da imposição do Sonho sobre nossas vidas, saímos da grande ilusão, esta é a Lei, o procedimento básico do Guerreiro em seu caminhar de encontro ao “outro”, e ao si próprio que é o outro.

Sempre que julgamos, estamos certamente projetando aquilo do outro que está em nós, mas como quem julga é o Ego, e jamais o Espírito, nós nos comprometemos cada vez mais com o plano do Sonho, cuja grande interface com a realidade é o Ego, e alem do mais, os parâmetros e códigos de julgamento sempre são oferecidos pela estrutura do Sonho, jamais partem de nosso próprio Espírito, não são conteúdos de nossa essência, simplesmente porque o Espírito sabe que somos todos expressões da mesma realidade divina, somos todos Anjos ou partículas de Deus, e não há o que julgar, a não ser que pretendamos nos igualar e sermos coniventes com uma estrutura subjetiva que nos afaste de nossa realidade espiritual, e ai então, ai sim seremos seres incompletos que sempre precisam, sempre estão em busca de algo fora de si para se tornar inteiro. Artificialmente inteiros.

Para sermos nós mesmos, Guerreiros que se bastam, para nos integrarmos ao “outro” e vivermos uma relação plena, uma relação que vivemos pelo prazer, e não por obrigação, e para sermos verdadeiros e aceitarmos a verdade como uma condição para viver amorosamente a vida, o mergulho no passado e a libertação dele é uma condição das mais fundamentais, pois o lastro e as correntes que prendem nossos sentimentos estão sob as pedras da história pessoal, muitas que precisam ser dissolvidas, outras confrontadas, e outras resgatadas.
VIVENDO O PASSADO

A casa IV e tudo que ela representa, família, passado, lar, é um instrumento poderoso na manutenção do sonho, talvez seja o mais poderoso, pois simboliza as bases que mantém o ser atrelado ao Sonho, aos padrões todos que reconhecemos como referencias e pontos de sustentação de nossa realidade.

No caminho do Guerreiro em direção ao ambiente, ao “outro”, na busca do Guerreiro por concretizar seu projeto de vida e caminhar sua caminhada, é inevitável a passagem pelo próprio passado, pela própria historia, ela, a historia – pessoal e coletiva – , estará sempre presente em cada um de nossos gestos, em cada uma de nossas intenções, e isto pode significar uma força, uma matéria prima para nosso crescimento, mas pode também representar um lastro, um peso, uma substância ou um tipo de goma que nos mantém presos e atrelados a nossa educação e condicionamentos.

É na casa IV que se processa a primeira fase da formação do caráter do indivíduo. Os condicionamentos, o treinamento, os elementos impostos à nossa personalidade são representados pelos indicadores desta questão, especialmente a Lua, seu indicador universal.

Tradicionalmente a Lua simboliza o Inconsciente, em contraposição ao Sol, o doador da luz, que simboliza a consciência. Quer dizer que todas estas informações que vem através da família e da história pessoal, passam a fazer parte do inconsciente, ou seja, nos as possuímos, nos reagimos em função delas, mas perdemos o acesso, deixamos de ter controle sobre todas estas informações por terem sido absorvidas pelo inconsciente.

Nada disto é um problema, tudo o que estamos falando é absolutamente natural. Os problemas começam a surgir a partir do momento em que nos apegamos a estas informações, muitas delas nem um pouco relacionadas com nossa verdadeira natureza, muitas delas marteladas no cérebro de uma criança, muitas delas afirmações sobre o certo e o errado em termos de um código cuja única finalidade é a manutenção de uma certa realidade forjada.

A imposição desta realidade, das regras e leis do Sonho do Planeta precisa encontrar um solo fértil para fecundar, e este território é um território que precisa não ter coração, e isto é muito, muito grave...

Em algum momento de nossas vidas, provavelmente na primeira infância, nosso coração nos foi usurpado sem que soubéssemos, e isto foi necessário para nos tornar pessoas educadas em sintonia com o Sonho do Planeta, o sonho de realidade no qual todos acreditam, e que contem a substancia que forma a expectativa de realidade à qual estamos condicionados.

O arquétipo que pode representar este vértice da cruz é o Mago, o Senhor dos Sentimentos, e de alguma forma, isto não parece ter nada a ver com o passado em si, mas tem a ver com o inconsciente, com os conteúdos mais profundos da psique e do Ser em si mesmo.

Mas para sermos Magos, sermos senhores e canais do sentimento universal, é necessário que tenhamos Coração, é fundamental que tenhamos e atuemos sempre pelo Coração, e isto não é fácil para quem teve seu Coração arrancado ainda criança.

A forma que a sociedade, o mundo, através daqueles que serviram de instrumento para a formação do nosso caráter, nos roubou o Coração e a capacidade de agir através dos caminhos dele foi através da imposição de uma realidade baseada em emoções e sensações, ou seja, nos é permitido e exigido viver emocionalmente e usufruir das sensações pertinentes a estas emoções, estas funções psíquicas andam de mãos dadas, e nestas condições, todos os Sentimentos são transformados em expressões emocionais, perdem sua natureza de “voz do Espírito” e passam a ser manifestações do Ego.

Nossa percepção em relação ao passado e à nossa historia pessoal é, normalmente a de que temos um compromisso com o mundo, temos uma tarefa – alguns a chamam de “destino” – , e acho mesmo que isso é uma das verdades que restaram do Mundo Real, cada um de nós nasce com capacidades e conteúdos para cumprir um papel no grande plano de Deus, no conjunto global de forças e energias que compõe o universo e a Natureza à qual temos algum acesso. Mas a nossa percepção pode ser distorcida pelo sonho do Planeta, pela realidade que foi criada pelas expectativas de todos que vieram antes de nós, e nosso destino, nosso projeto de existência neste plano da realidade passa a ser aquilo que o Ego consegue descrever, aquilo que nos torna “aceitáveis” junto a determinado grupo durante o processo de domesticação de nossa mente, e nesta dimensão, o que conta é nossa capacidade de suprir emocionalmente aos outros, de tapar os buracos, colar as rachaduras do vazio emocional e da angustia em que vivem os que “deveríamos” amar.

E assim, curando feridas emocionais, nos tornamos seres fortes e racionais, nos livramos de nossos sentimentos mais profundos, pois temos que ser duros ao lidar com emoções constantemente distorcidas e em desequilíbrio, que é o que a criança encontra quando começa a entender o mundo que a recebeu. Pais que vivem um teatro de relacionamento “em nome dos filhos” ou pior ainda, em nome da aparência, do “que vão pensar de nós”; irmãos que negam o sangue e a cumplicidade quando surge um problema financeiro ou um conflito de herança, enfim, depois que “vê” a luz, a criança, a mesma que vai nos habitar até o fim de nossos dias, descobre que tem o dever e a tarefa de conviver com conflitos emocionais permanentes, se não for na família é na escola, ou no trabalho, e ela aprende que, se ouvir a voz do coração, se seguir o caminho do espírito, não será compreendida, entrará em conflito com uma realidade totalmente administrada pelo Ego vaidoso e administrador das emoções em geral, que os sentimentos pertencem à esfera do Espírito, e destes o Ego não trata e não controla, e portanto, são em geral, quando intensos e verdadeiros, descartados, e junto com eles, as propriedades do Coração são também esquecidas.

Para que nos tornemos senhores das emoções em vez de instrumentos do Coração e dos Sentimentos, é necessário que tenhamos controle da situação. O controle é essencial como ferramenta de manutenção do mundo como ele é, do Sonho como ele nos foi imposto. Melhor que “controle”, a capacidade de controlar, e esta capacidade implica no uso constante da razão, no domínio total do objeto de nosso controle e em sua submissão a nossos desejos e regras, que na verdade são as regras do Sonho do Planeta.

Quando controlamos, matamos o objeto de nosso controle, o imobilizamos e o submetemos a nossos desejos e emoções, e ele deixa de ser ele mesmo, perde sua identidade, perde sua luz, perde seu poder e se aliena de seus sentimentos. Precisamos não ter Coração para podermos controlar algo ou alguém, ou mesmo a si próprios. Todo controlador é alguém que perdeu o contato com o próprio coração, alguém que vive com medo, se alimenta do medo. Todo controlador é um Herói, torna sua vida difícil e vive separado de tudo e de todos. É um solitário.

Claro que todo controlador afirma estar fazendo o bem, afirma estar preocupado com os outros, afirma que age de coração, mas o Coração não controla, como não é possível haver controle no Amor verdadeiro, apenas troca de afeto, apenas doação.

Quando controlamos, precisamos nos ver como entidades separadas do objeto de nosso controle, seja ele outra pessoa, seja ele um sentimento ou um impulso de nosso Coração, e a necessidade de controle passa a ser um bisturi, uma lamina cortante que nos separa de nós mesmos e dos outros, e a forma mais comum que a mente usa para promover esta separação necessária ao controle é a Descrição e o Julgamento do que queremos controlar.

Quando Julgamos e Descrevemos alguma coisa, precisamos estar separados desta coisa, precisamos “entender” esta coisa, e também devemos evitar compreender este objeto, pois a compreensão, palavra mal usada muitas vezes, implica no uso do Coração, pois Com-Preender é prender algo em nós, unir essências, e isto não depende do uso da descrição ou da razão.

É interessante observarmos como a necessidade de ser controlador surge no seio da família, surge da percepção que a pessoa faz de seus próprios pais e educadores em geral. Não quer dizer necessariamente que os pais da pessoa tenham sido controladores, mas é assim que ela os vê, é assim que ela percebe o mundo, é assim que ela se percebe, sempre sendo cobrada e controlada, sempre sendo solicitada pelas pessoas, particularmente pela mãe, para suprir o afeto que os “perversos” negam a ela, e o resultado curiosamente não é uma pessoa que supre as demais de afeto, mas sim alguém que quer controlar, e para isto procura sempre no outro a fragilidade, a fraqueza, o vazio, a debilidade. Assim ela se sente forte e capaz, assim ela acha que merece ser amada por suprir as eventuais carências e debilidades que, se ela não encontra no outro, ela provoca, produz, pelo controle e autoritarismo, ou as vezes, pela chantagem emocional.

Vejam como o controlador é conivente, é um cúmplice, um legitimo representante do Sonho do Planeta, pois a separatividade e o poder de controlar são referencias de status e prestígio neste sistema de valores ilusórios.

O controlador nasce na casa IV, ele nasce na família, ele é formado ainda quando criança, ele surge quando suas fragilidades são continuamente acentuadas pela família ao ponto de fazê-lo reagir desta forma para não ser massacrado e humilhado o resto da vida. O controlador nasce quando é arrancado o coração da criança com a ilusão de que, neste mundo é preciso ser duro, é preciso ser forte, é preciso não ser um perdedor, é preciso ter medo do fracasso, o tempo todo, a vida inteira.

Nós aprendemos um dos fundamentos do viver nesta fase da vida, na primeira infância, no período em que convivemos mais intensamente com os familiares: aprendemos a “Olhar o Mundo”.

É o olhar que constrói o mundo que ilusoriamente vivemos. William Blake disse que uma arvore é uma coisa aos olhos de um tolo, e outra aos olhos de um sábio. É o olhar que determina a qualidade do mundo, e consequentemente nossa reação a ele.

Se vemos o mundo como algo hostil, algo opressivo, alguma coisa que está sempre desmoronando sobre nossas cabeças, algo do que temos que nos defender o tempo todo, alguma coisa que nos obriga a mentir para não sermos oprimidos e castigados, então é nisto que o mundo vai se transformar, apenas e exatamente nesta coisa terrível. Mas quem está construindo esta “coisa” é nosso olhar, pois se pudéssemos mudar o modo de ver e perceber o mundo, talvez ele fosse diferente, talvez ele se transformasse e ficasse melhor.

A casa III corresponde ao sistema pessoal de descrição e conseqüente criação mental da realidade. É onde somos mais coniventes ao expressar o sonho do Planeta. A casa IV é a II da III, ou seja, é onde esta descrição se transforma em fato, onde ela se materializa e toma forma, e a forma, o elemento principal da materialização de nossa descrição da realidade é na verdade o Olhar, o modo de ver esta realidade é o que dá forma e consistência à realidade. A forma e conteúdo da realidade, seja ela ilusória ou não, está na verdade dentro de nós. É muito mais uma experiência que um fato, é muito mais um modo de ver a vida, de ver o mundo, que o fato. A realidade passa a ser nossa visão pessoal da realidade.

Se mudarmos o modo de ver a realidade, mudaremos a realidade?

O grande truque para nos tornarmos Magos, senhores do Sentimento em vez de escravos da emoção é, prestarmos atenção ao que tem coração, procurar Ver e se identificar com o mundo através do Coração, mas para que isto aconteça, é necessário uma revisão completa do nosso passado, é necessário procedermos a uma recapitulação e a um confronto com cada experiência já vivida em nossa vida, com cada pessoa que conhecemos em nossa historia pessoal, de tal forma que possamos nos libertar do peso deste passado, dos condicionamentos e dos juramentos e promessas que inconsciente ou conscientemente fizemos em algum momento de nossas vidas.

Rever e se confrontar com o passado também nos permitirá descartarmos velhas mágoas, perdoarmos antigos desafetos, alguns já perdidos no fundo da memória, mas que não deixam de ser nós, pontos cegos na composição de nossa personalidade.

Mas isto dói, dói muito, pois quem é que quer realmente se livrar de hábitos e crenças que tem sustentado toda a realidade que vivemos? Que tem segurado nossa barra e dado confiança de que o que estamos vivendo é o certo, de que nossas escolhas são as mais adequadas para o mundo em que vivemos?

Don Juan, através de seu discípulo, Carlos Castañeda, diz que a realidade é formada pelo habito e pela memória, e isto pode significar que , se entendermos, através da aplicação da memória, os caminhos de nossa historia pessoal, e como esta historia compôs e estruturou nossos hábitos, entenderemos o mundo em que vivemos, entenderemos nossa representação dentro do Sonho do Planeta. E se mudarmos nosso hábitos, mudaremos também nossa realidade estruturada sobre eles, sairemos do Sonho, seremos senhores de nosso sentimento, finalmente, em vez de escravo de nossos desejos criados e emoções condicionadas.

Os desejos e emoções, bem como o Sentimento e a capacidade de escolher com o Coração, são faculdades ligadas ao elemento Água e seus três signos representantes, Câncer, Escorpião e Peixes, e o uso adequado dos dons representados por estes signos, respectivamente: a capacidade de Gerar, de Transformar e de Transcender é o que nos possibilitará sair dos hábitos formadores de realidade, mantenedores do Sonho e abrirá as portas para uma nova dimensão, dentro da qual podemos ser nós mesmos, livre das amarras e imposições das Leis do Sonho.

Acontece que, dentro do padrão no qual vivemos, e se formos obedecer as leis e tentarmos ser pessoas vistas e aceitas como “normais”, acabaremos por usar justamente as grandes deficiências destes três signos, suas “anti-virtudes”, os significados que nos conduzem para a estagnação e estratificação de comportamento e valores: a birra, a culpa e a razão.

A birra é o caminho que o símbolo de Câncer tem para nos conduzir à manutenção de velhos hábitos, é o recurso do Sonho para nos impedir de Gerar, de criar novas possibilidades e uma nova realidade. A culpa é o mecanismo estratificador de Escorpião, é aquilo que impede a transformação, a morte do velho e o nascimento do novo, e finalmente a razão é o caminho escolhido por quem não quer viver a transcendência possível ao símbolo de Peixes, é o eterno buscar da razão das coisas, seja do sentimento, seja das percepções que o Coração tem da vida e do mundo. Esta busca de razões sempre vai encontrar respaldo nas ilusões que nos são impostas pelo Sonho do Planeta.

Para nos libertarmos da rigidez do Sonho do Planeta, para vivermos nossa própria realidade, sintonizada com nossa essência, menos distorcida pela imposição de critérios e valores que nem sempre coadunam com nosso destino, e que podem distorcer nosso caminho, enfim, para nos libertarmos da birra infantil, das culpas inúteis e da necessidade de ter e encontrar razão para tudo, existe um caminho simples e extraordinário, é o caminho do da Verdade e do Coração, que é por onde podemos expressar nossos Sentimentos e dar significado à nossa vida sem medo.

DE OLHO NO FUTURO

O Arquétipo, dentro do modelo de pensamento que estamos apresentando neste texto, que tem correlação com a questão X, o Meio do Céu do horóscopo, o vértice da cruz que representa o Futuro, em contraposição à casa IV, o passado, é o do Rei, o Senhor da Realidade, o criador daquilo que é real.

Acontece que, dentro da estrutura do Sonho do Planeta, a única coisa que nos é permitido reconhecer como Realidade é apenas o que o próprio sonho permite, ou seja, as informações que foram decodificadas pelos nossos educadores e implantadas em nossa psique durante a formação da personalidade. O mundo é o que acreditamos que ele seja, e acreditamos que ele seja o que nos ensinaram que ele é.

É claro que, durante nosso crescimento, através das experiências que vivemos, dos confrontos, dos desafios que enfrentamos, vamos elaborando um critério muito pessoal de realidade, nossa própria forma de ver e recriar o mundo. Mas mesmo este critério é elaborado através dos filtros e critérios estabelecidos e implantados como “scripts” em nossa primeira infância. Pouco podemos fugir disto, pequena é a distancia que podemos ter do sonho coletivo, da grande ilusão.

A experiência ligada à casa X é talvez a mais pertinente ao conceito de Sonho do Planeta, é a mais vinculada à grande ilusão coletiva, pois nesta área de experiência projetamos todas as nossas expectativas do que queremos e podemos ser no mundo, como entidades atuantes e participantes. É a grande indicadora dos papéis que temos e que podemos desempenhar com nossos recursos interiores, e por isso, é nesta casa que encontramos os elementos através dos quais mais nos identificamos com a coletividade, com o grupo, com a sociedade como um todo. Por isso é a casa do “status”, que é uma das maiores preocupações que nos são impostas, e que determina muito de nossa conduta.

A expressão “o que vão pensar de mim?” (ou de você) é uma das mais poderosas formas de manutenção e redução de nosso comportamento a denominadores comuns determinados pelo Sonho e pelas expectativas da coletividade. Nossa realidade pessoal passa a ser identificada pelo que as pessoas podem pensar de nós. Nossas ações são delimitadas pela expectativa dos outros, e nossa capacidade de criar realidades é modulada pelo desejo e possibilidades de sermos aceitos ou não pela coletividade mais próxima. É assim mesmo que o Sonho do Planeta se impõe em nossas vidas e torna-se a base de nossa conduta e de nossas realizações.

O Rei deveria ser uma entidade, um indivíduo capaz de criar novas realidades, tornar seu desejo e suas intenções Reais, mas para chegar a este estágio, de poder criar realidades, na fase da formação de sua personalidade, o Rei é uma criança solicitada, uma criança que nasceu para preencher os vazios da existência da seus educadores, especialmente da mãe e das personagens femininas. Ela, a criança, ou o indivíduo na fase da formação de sua personalidade, sente que precisa preencher os espaços existenciais deixados pela “mãe”, precisa redimir e compensar suas frustrações e fracassos sociais, e com este sentimento, identifica qualquer gesto, qualquer estímulo como uma cobrança de performance, de impecabilidade, de maturidade, como se tivesse que ser adulto antes do tempo, como se não lhe fosse dado o direito de falhar jamais. Por isso a “criança solicitada”, continua durante a vida adulta a existir dentro de nós, pois não nos é permitido pelas leis do Sonho sermos senhores e criadores de nossa própria realidade, não nos é permitido nunca transgredir ou transformar a realidade exatamente como ela nos é apresentada, com seus critérios e padrões, não nos é permitido enfim, amadurecermos de verdade e sermos Reis, senhores da própria realidade.

Os signos que representam esta questão, a de nossa imagem social e da grande cobrança de postura e sucesso que pesa sobre nós, são os signos de terra, Capricórnio, responsável pelos processos de estruturação, Touro, significador da formatação da realidade e Virgem, que simboliza os processos de purificação.

Quando, antes de dominarmos nosso desejo e capacidade de agir, e consequentemente sermos Reis e senhores de nossa própria realidade, somos ainda “crianças solicitadas”, percebemos o mundo como um grande cobrador de comportamento e de postura dentro de seus parâmetros, em vez de usarmos estes símbolos astrológicos como caminhos para a estruturação, formatação e purificação deste mundo, somos vitimas das projeções negativas destes signos, somos escravos de um estado constante de tensão e insatisfação, e em vez de sermos estruturadores somos escravos de uma necessidade de sermos responsáveis por tudo e por todos; em vez de reformadores e formatadores da realidade, somos motivados e mobilizados o tempo todo pelo apego, e em vez de depurarmos e purificarmos o mundo, nossa ação é toda distorcida pelo perfeccionismo patológico, tão valorizado em nossa cultura.

Este vértice da cruz, o ponto mais elevado dela, funcionalmente análogo à casa X, é talvez o mais difícil de ser trabalhado em nosso processo de despertarmos e nos libertarmos do Sonho do Planeta, pois ai, na casa X, está o filtro de toda realidade social, de todas as condições de sobrevivência e de dar significado à nossa existência no contexto em que nascemos. A cobrança é muito grande, as exigências imensas, o esforço para atender a demanda de posturas e comportamentos é extraordinário, e profundamente desgastante, e na maioria das vezes nos afasta cada vez mais de nossa essência. Quanto mais eu sou “aceito”, torno-me importante no mundo em que vivo, tanto mais estou comprometido com uma exigência e uma realidade que existe principalmente fora de mim, e cada vez estou mais distante de meu próprio centro, do núcleo da minha consciência.

Acreditamos que o Ego, dentro de uma conceituação aceitável pelo Sonho do Planeta e com a conivência das pessoas com este sonho, é uma referencia pessoal que se aproxima, se identifica muito com a decima questão e seus significadores, particularmente Saturno. Romper, se libertar da escravidão do Ego é ultrapassar os limites de Saturno, e isto não significa nega o Ego e sua validade como interface entre o Self e a realidade. Apenas o que acontece é que nossa consciência é que vai determinar a cor da realidade, e não contrário.

Se pensarmos que as duas questões que envolvem a décima questão e se complementam analogicamente com ela, a II e a VI, são as principais experiências na qual se investe energia pessoal para se manter atrelado e coerente ao Sonho do Planeta, os Valores e a Analiticidade, a Segurança e o Cotidiano, encontraremos nestas casas ou campos de projeção portas por onde sair do Sonho e conquistar um pouco mais a consciência de si mesmo.

A casa II é talvez, como V da X, a cristalização do meu Status, a experiência mais fundamental na manutenção e cristalização do estado de ilusão em que vivemos, pois nos foi ensinado desde a mais tenra infância, e é afirmado o tempo todo pela mídia e pelas pessoas, que possuir e acumular são as principais condições para ser alguém neste mundo, dar significado à nossa existência social, conquistar nosso espaço, nos realizarmos, etc. Vejam como a idéia do que cobram da gente em termos de imagem se cristaliza através da posse e dos bens que possuímos. Mas como o Espírito não se satisfaz com esta ilusão – apesar da necessidade física, biológica de sobrevivência e manutenção da vida - nós estamos sempre insatisfeitos com o que temos.

A insatisfação é uma qualidade feminina, yin, e se contrapõe ao desejo, também uma qualidade feminina. A insatisfação é o desejo mal elaborado, não preenchido, inadequado, e como o desejo só pode se referir a algo que está fora de nós, pois não é possível desejar o que já temos, acabamos por acreditar que o que pode preencher nossa insatisfação é algo exterior a nós mesmos, e com isto, nos afastamos cada vez mais do núcleo de nossa personalidade, nos afastamos do próprio espírito, que é algo que já temos (ou que nos tem) e que nos informa, se tivermos acesso a Ele através da consciência, de que não há nada a desejar, e portanto, não há porque viver insatisfeito.

Parece que, sob a ótica do Sonho, aplicada a um corpo físico, a um espírito encarnado, o desejo deve ser preenchido no plano físico, e a insatisfação é sempre relativa a algo material, e por isso o eterno querer mais, o acumular desnecessário e angustiante, a obsessão em preservar nossos bens como se neles residisse a única possibilidade de plenitude e felicidade, e finalmente, a conseqüente escravidão a este significado da casa II que nos é permitido.

Acredito que, alguém que atingiu um certo grau de consciência e liberdade, saberá que a segurança de um homem, sua fortuna, seus bens, suas posses serão medidas muito mais pela sua capacidade de Dar do que de acumular. Esta é uma mudança de paradigma. No plano do Sonho, a plenitude é medida em quantidade de bens que possuímos, no plano da consciência, a plenitude e inteireza é medida pela nossa capacidade de dar.

Basta começar a “dar” para se libertar deste modelo das Leis do Sonho, basta parar de dar importância exagerada as coisas, aos objetos, se livrar deles. Isto não significa uma opção pela miséria, mas apenas deixar de ser escravo do que possui, deixar de ser “possuído pelo que possui”, apenas isto.

Quanto a sexta questão, pode significar uma escravidão ao método, uma exagerada importância dos hábitos e manias, e com isto, um afastamento da consciência oferecida pelos pequenos rituais, que nos aproximam do sagrado. Cada pequeno gesto que temos que repetir, como escovar os dentes ou tomar café da manhã, pode ser uma pequena liturgia, um procedimento sagrado que nos aproxima de nós mesmos e do aspecto divino que em nós habita. Mas de acordo com o Sonho do Planeta, tudo se transforma em habito justamente para que não tenhamos esta percepção da importância de nosso cotidiano como um instrumento de libertação e consciência.

Prestar atenção no que faz, todo tempo, é uma poderosa chave para entendermos nosso papel de nosso papel no mundo, e cada experiência vivida relativa a esta questão no universo, para entrarmos em sintonia com significados básicos de nossa vida presente. A casa VI é a IX da X, portanto, a casa da compreensão e do entendimento, é uma palavra que vai compor a equação que explica nossa realidade e nosso Status e nosso compromisso com a coletividade.

EPILOGO

Don Miguel diz que existem três domínios que levam as pessoas a se tornar Toltecas (homens de conhecimento). O primeiro é o Domínio da Consciência, e significa tornar-se consciente de quem nós somos, com todas as possibilidades. O segundo é o Domínio da Transformação, e significa aprender como mudar, como ficar livre da domesticação à qual fomos submetidos, significa aprender a dizer Não. O terceiro é o Domínio da Intenção, e intenção sob o ponto de vista Tolteca “...é aquela parte da vida que torna a transformação de energia possível...Intenção é a própria vida; é amor incondicional. O Domínio da Intenção, portanto, é o Domínio do Amor”.



Percorrer o caminho entre Eu e o Outro, entre as casas I e VII, é aprender a lidar com o Espaço, conhecer as Leis que regem o Espaço, tornar-se senhor do movimento, do fluir e refluir da energia. Podemos percorrer este caminho dentro das regras do Sonho do Planeta, e ai, seremos escravos destas regras. Caminharemos em direção ao “outro” por acharmos que precisamos dele, e isto nos coloca numa eterna posição de dependência passiva, de necessidade, e nunca de completamento. O ato de “necessitar” do “outro” passa a ser mais importante que o próprio completamento que poderíamos conquistar.

Percorrer o caminho entre o Passado e o Futuro, entre as casas IV e X, é aprender a lidar com o Tempo, aprender a caminhar com desenvoltura na Roda do Tempo, e com isto, se libertar de toda imposição que vem de nosso passado e de todas as regras que nos são impostas pela cultura exterior a nós mesmos.

Quando o Guerreiro segue este caminho com o Coração, e não com as razões da necessidade do ser domesticado e submisso ao sonho, ele se transforma, se transmuta, vira o que a xaman Antonia chamou de “Pacificador” , que é o estado superior do Guerreiro, sua grande conquista.

O Pacificador é alguém que está livre do constante estado de angustia que o Sonho do Planeta nos impõe para roubar nossa energia vital, enfraquecer nossa vontade, nos submeter.

O Pacificador é um agente da paz. Alguém que conhece o Cristo que existe como símbolo no coração de todos os homens. É um guerreiro, mas é um multiplicador da consciência e da paz que ela traz.

Seguir o caminho do Coração implica em, primeiro estar livre da imposição das Leis que não tem coração, ser imune a elas, ao medo que provoca transgredi-las, seguir apenas as leis do Espírito, que são na verdade as Leis do Coração, e para isto, temos que ser capazes de nos livrarmos de todas as amarras que o passado nos impôs...

Enfim, seguir o caminho do Coração e ser um Pacificador é fazer o que tem que fazer e, jamais olhar para traz.

Valdenir Benedetti

Abril/99

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