No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

A JORNADA DO ESPÍRITO - PARTE 2

O homem é o seu livro de estudos, ele precisa ir apenas virando as páginas desse livro e descobrir o autor.

Jean-Yves Leloup

Através da auto-observação o homem compreende a necessidade de se transformar. E, ao observar-se, ele percebe que a auto-observação, por si só, ocasiona determinadas modificações em seu funcionamento interior. Começa a entender que a auto-observação, constitui instrumento de autotransformação, um meio de despertar. Observando-se, ele lança, por assim dizer, um raio de luz em seu funcionamento interno. E, sob influência dessa luz, o próprio funcionamento começa a modificar-se.

George Gurdjieff

Estou refletindo sobre tudo que coloquei a respeito do espírito e do ego, e novas perguntas surgem a cada segundo. Mas insisto comigo mesmo, quero compreender os caminhos, quero encontrar luz para que possa ver com clareza o que pode gerar angustia ou aflição. Quero saber a fonte de nossos eventuais desequilíbrios e procedimentos inadequados, nem sempre claros, mas com conseqüências muito evidentes na maioria das vezes.

Ainda envolvido com essa historia de que o ego é um canal de comunicação entre o espírito e aquilo que chamamos de realidade da vida, novas idéias começam a aflorar, e entre elas um insistente pensamento de que talvez as coisas não sejam bem assim... Pode haver outra constatação, outra percepção, outra visão desse mecanismo tão misterioso, e nesse fluir dos pensamentos vai se formando uma nova idéia, que nesse momento quero apresentar e deixar por conta daqueles que também estão buscando respostas como uma referência para nutrir suas próprias reflexões sobre nossa caminhada nesse planeta.

Bem, depois de muito pensar nessa suposta divisão de funções, nessa estrutura operacional da existência que são denominadas ego e espírito, comecei a perceber que pode ser diferente. Pode ser que o espirito seja a chave de tudo e o ego e toda a realidade possível e apreensível, apenas uma criação, uma manifestação desse espírito. Estarei atribuindo um poder exagerado ao espírito? Será mesmo?

Nossos condicionamentos culturais são como perímetros que delimitam nossa possibilidade de ousar novas compreensões. Funcionam como fronteiras, muralhas rigidamente protegidas pelos guardiões que não permitem que tenhamos o menor vislumbre do que existe do outro lado do muro dos nossos próprios limites. A razão é um desses guardiões, eficiente e impecável, sempre ergue suas armas quando o assunto é transgredir nossa limitada compreensão da existência. Seus argumentos são poderosos e quando tentamos afronta-los, somos duramente atingidos pela necessidade de provas palpáveis e referencias objetivas. Será que é mesmo necessário comprovar nossos sentimentos em relação ao que acontece dentro de nós, em nosso íntimo, principalmente porque os guardiões dos limites não nos oferecem outra resposta senão a de que devemos ficar quietos em nossos cantos e agradecer por poder levar nossas vidinhas?

A idéia que está suavemente permeando minha consciência é a de que realmente somos o espirito e tudo mais que existe é uma manifestação possível desse espírito que somos. Inclusive o próprio ego. Não são coisas separadas, não são funções diferenciadas. Nosso entendimento, delimitado pelos vigilantes do sistema de pensamento de nosso tempo é que precisa estabelecer funções e divisões de todo tipo para que sejamos mantidos divididos. Possivelmente, espirito, ego, vida, pensamentos, são tudo uma coisa só. Uma unidade perfeita.

Então, qual é o problema? Se acreditarmos que o espirito é essencialmente ético, e se Ele é a fonte da nossa realidade pessoal e de tudo que podemos perceber e re-conhecer, não deveriam haver problemas e angustias em nossa vida. Mas existem. E daí? O que fazemos então? O que está acontecendo para que tantos dilemas nos afastem da felicidade e plenitude?

A primeira idéia apresentada, aquela da supervalorização do ego, quando atribuímos um valor e supremacia a ele de tal forma que nos desconectamos de nosso próprio espirito, pode ser interessante ainda. É coerente dentro desse raciocínio e dessa busca. Mas para que ela seja realmente válida, é necessário que nos apoiemos no conceito de que existe uma divisão de tarefas, que o espírito e o ego tem funções diferentes na existência. E já não sei mais dizer se é isso mesmo (estou assumindo meus próprios dilemas, também, quem manda pensar...).

Creio que a raiz do problema está em estabelecermos divisões. Separarmos ego, espirito, mente e seja lá o que for. Essa atitude, esse modo de pensar, nos coloca em sintonia com a própria divisão. Nos tornamos seres partidos por acreditarmos nisso, somos frágeis, uma porção de partículas e segmentos que tem pouca ou nenhuma relação entre si, não se conectam, e a incerteza se torna um dos mais extensos domínios de nossa vida.

Que pedaço eu sou de mim mesmo nesse momento? Que parte de mim está agora ativada escrevendo? Qual a parte que está sentindo? Quem em mim está pensando? Qual parte do meu ser pode estar amando ou não? Será o ego que determina a possível compreensão entre esses pedaços de mim? Será outra coisa que ainda não conheço? Estou me sentindo, no meio desses pensamentos todos, um quebra cabeças, com muitas peças desconectadas e algumas que nem conheço ainda. Algumas não, muitas! Acho melhor parar com isso antes que eu me desfaça e a mínima coesão que ainda se mantém em mim deixe de existir, afinal, nem sei que forças estou ativando em meu próprio ser com esses pensamentos, de tanto que me desconheço, e não sei como os vigias dos limites podem reagir...

Agora estou lembrando! Foi assim que tudo começou... perplexidade, tentativa de compreender nossas angustias, indagações, confusão mental e a busca de respostas. Em um primeiro momento, encaminhamos nosso pensamento para a possibilidade de atribuirmos todo poder ao ego. Agora estamos elaborando outro raciocínio a respeito das causas de nossas incertezas, e esse raciocínio se refere à divisão que estabelecemos entre as multiplas partes, os muitos níveis de nosso ser.

Se nosso pensamento seguir por essa estrada, talvez encontremos outra resposta para nossas dúvidas. A resposta é a união. União de todas as partes desconectadas, união da gente com a gente mesmo, união de nossa totalidade com a totalidade do universo.

Isso parece conversa de poeta místico. Talvez seja mesmo, se bem que eu não sou muito poeta e muito menos místico. Acredito na atitude, no gesto, na ação diante da vida, e se, acompanhando o gesto, tivermos uma boa compreensão de nossas motivações e objetivos, nossa atitude será precisa, exata. Como disse um verdadeiro poeta: “navegar é preciso, viver não é preciso”. Então, sejamos precisos para aprender a navegar pois que viver, não é preciso...

Todo esse raciocínio está apresentando a idéia de que o espírito é o centro, o núcleo absoluto de nossa realidade pessoal, e tudo mais que descrevemos como função nossa, como o pensamento, o ego, a palavra, correspondem à manifestação do espírito, sua emanação energética que toma forma e encontra seus canais simplesmente sendo. Existindo.

Quando estamos, por força de nossa dedicação e boa vontade, conectados a esse núcleo de nossa existência que aqui denominamos espírito, nos unimos ao centro emanador do universo que se manifesta em nós dessa forma. Quando escolhemos o caminho do espírito, e portanto, escolhemos com o próprio espírito, nos ligamos à fonte da realidade, ao princípio gerador de todas as formas, sons, pensamentos. Quando nossa consciência nos permite reconhecer a realidade do espírito, passamos a caminhar em harmonia com a Lei que estabelece as relações entre todos os seres, entre todas as coisas.

Para atingirmos esse estado, essa condição de união com o espírito e consequentemente com a totalidade das coisas, podemos perceber algumas condições sobre as quais estamos pensando nesse momento. Essa compreensão se origina no reconhecimento de minha própria resistência, surge a partir da constatação dos obstáculos que coloco em meu próprio caminho, e que tanta gente que se comunica comigo também costuma colocar, de acordo com seus próprios depoimentos.

A primeira condição que propomos é aceitar o espírito como um fato. Uma verdade íntima e absoluta. Podemos sentir isso como uma fonte de energia ou como a essência da vida, afinal, quando acaba a vida física ocorre um mistério incrível. Sabemos que o corpo para de trabalhar, mas a vida que fluía através daquele ser, para onde vai? O que acontece com ela? Ou é apenas uma maquina que para de funcionar e pronto. Bem, quem preferir pensar assim, fique a vontade. Eu prefiro aceitar o mistério e ir em busca de sua revelação, que esse é também um bom motivo para viver.

A segunda condição é aceitarmos que esse espírito, que entendemos ser o núcleo de nossa existência, é essencialmente ético. Para nos sintonizarmos com ele, nossa vontade e nossa ação, - até onde possamos compreender o que é ser ético - , devem estar de acordo com essa postura. Limpa, verdadeira, transparente. A palavra ética se origina de “ethos”, que significa originalmente “lugar”, e podemos dizer que o indivíduo que age eticamente, esta no lugar de se conectar a si mesmo, está no lugar do espírito, está no lugar de se encontrar.

Existem tratados e alfarrábios filosóficos discorrendo a respeito da ética, mas estamos propondo uma idéia muito simples para entendermos o que é uma postura ética em consonância com o espírito: fidelidade aos sentimentos, respeito com todo tipo de seres, fazer sempre o melhor que podemos, sermos verdadeiros. Kant, o filosofo, propõe uma definição de ética dentro da qual ele diz: mais ou menos assim: “...age como se cada ação tua se estendesse para toda humanidade” , e podemos ver nesse trecho da definição de Kant uma relação operacional bem interessante com o espírito como núcleo emanador da realidade possível a cada indivíduo, e também pode ser entendido que a postura ética é também uma atitude de responsabilidade pela realidade que estamos continuamente gerando.

Uma terceira condição possível para resgatarmos a conexão com a realidade espiritual é não ter medo. Não estou me referindo à tensão e ansiedade geradas pelos perigos que temos que enfrentar durante o cotidiano hostil desse nosso tempo. Esse tipo de medo é até necessário para ficarmos alertas e prestarmos atenção onde pisamos e com quem falamos. Estou me referindo ao medo que temos de nós mesmos, de nossa grandeza, de nosso talento, de nossas faculdades. Estou me referindo também ao medo de parecermos presunçosos quando na verdade estamos assumindo o que somos, pois proporcionalmente a nossa aceitação do espírito, o fluxo da natureza, aquela mesma que desperta vulcões e provoca maremotos, reinicia seu fluir através de nosso ser. Em síntese, é necessário não termos medo de nós mesmos, de sermos nós mesmos.

Outra condição para nos conectarmos à nossa essência espiritual, ou a nossa integridade e totalidade, se preferirem ver dessa forma, é a humildade. Essa palavra não significa submissão ou qualquer condição subalterna. Para ser humilde não é necessário se submeter a nenhuma imposição humana, mas simplesmente entender a Lei da vida e a partir disso, saber que, por estarmos todos no mesmo barco, na mesma nave, devemos aceitar a existência dos outros como eles são, entender que cada um de nós está em um estágio de seu próprio processo evolutivo e, de acordo com nossas próprias possibilidades, colaborar no que for possível para, pelo menos não atrapalhar o processo do outro ser. Humildade não significa jamais negarmos nossos talentos, nos colocarmos abaixo de algo ou alguém. E se formos solicitados, ou percebermos que é necessário, termos a humildade de ficar ao lado, servir àquele que estiver precisando de nossos recursos. Isso nos conduz à quinta condição.

Servir. Essa é, de acordo com nosso entendimento, a quinta condição para nos reconectarmos à consciência do espírito que somos e nos libertarmos da angustia de nos sentirmos partidos. (Aliás, aqui cabe mais uma pergunta: partidos de onde mesmo?). Servir é um caminho para a liberdade e plenitude, pois a própria palavra já é a combinação de Ser + Vir, ou vir a ser. E se não servirmos a quem nosso coração mandar servir, uma causa, um ideal, um projeto, um sonho, enfim, se não tivermos a quem ou ao que servir, isso significa que não servimos. E aquilo que não serve mais , é costume ser jogado fora. Então, qual pode ser a melhor opção?

Podemos incluir uma sexta condição nessa caminhada em direção a nós mesmos: o amor.

Estamos usando aqui a palavra amor como uma proposta de procedimento, uma pratica que se origina na identificação do espírito com a totalidade do universo. Estamos chamando de amor a coesão entre todas as coisas, aquela força superior que mantém os planetas girando em suas órbitas e a luz das estrelas eternamente fluindo. A mesma energia que deu origem a tudo que existe. E se nos sintonizarmos com essa força imensa, estaremos praticando amor e estaremos nos conectando ao espírito, que é uma manifestação possível dessa energia amorosa.

Nos identificando e acreditando nessa onda de amor tão imensa que pode criar universos e espíritos, podemos ser e assumir a condição original de expressão desse amor divino, e nesse caso, nos tornarmos agentes conscientes dessa força. Para que isso aconteça, todas as condições anteriormente propostas – aceitação de sermos espíritos, conduta ética, não ter medo de ser, humildade, servir – , necessitam ser cumpridas, senão continuaremos seres divididos, fragmentados, e só com nossa plenitude conquistada teremos força e poder para canalizar e expressar aquilo que provém da totalidade do universo.

E nesse momento da vida, caminhando por essa não tão utópica utopia, é bem possível que nossas angustias desapareçam, é possível que aprendamos a formular melhor nossas perguntas e até encontremos as respostas, talvez já nem seja necessário fazer tantas perguntas. É possível que compreendamos o sentido de nossa existência e possamos fluir levemente por entre os espaços e linhas que existem na teia da realidade. É possível que saibamos o que é estar conectado ao infinito e que nossos problemas e tantas questões que nos sufocavam deixem de fazer sentido, se transformem em coisas absolutamente ínfimas e banais diante da grandeza de saber-se espírito, de saber-se emanaçào da fonte de onde tudo provém, de saber-se agente da necessidade divina.

Valdenir Benedetti

20/abr/02

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