No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

ESTAR PRESENTE

Tenho observado a dificuldade constante que algumas pessoas têm para "estar aqui", estar presente. Tenho constatado principalmente em mim essa dificuldade.
Creio que essa foi um dos maiores obstáculos em minha historia para que eu me conectasse com meu próprio crescimento.

Estou reconhecendo que quase sempre estive ausente, sempre estive em outro lugar qualquer, menos onde eu realmente estava. A mente divagando, indo para o futuro, mergulhando no passado, buscando referências lógicas, emocionais, surreais às vezes, qualquer coisa para que eu me ausentasse do momento a ser vivido, do lugar a ser de fato ocupado.

Esse estado de "ausência" tornou-se um modo de vida, transformou-se na única realidade possível. O Eu ausente transformou-se, com o tempo, na única coisa a ser reconhecida como o verdadeiro Eu.

Aprender sobre essa ausência foi e continua sendo uma tarefa áspera. Perceber o quanto sou incapaz de me sintonizar com o presente, com o momento vivido; o quanto é difícil ouvir os sons e vozes do lugar em que estamos; como é complicado se relacionar com o "outro" sem me abstrair com meus próprios pensamentos, sem me deslumbrar com os sentimentos que transbordam. Perceber que estar presente é muito difícil porque depende sempre de ter consciência do "outro", reconhecer no "outro" tudo que existe em mim e que tantas vezes não quero ver, por isso a mente escorrega para labirintos lógicos ou para recantos obscuros que não tem talvez o menor vínculo com o que está acontecendo no presente.

Todo esse processo de desviar o foco de atenção para algum lugar que não seja "aqui" é necessário para alimentar a ilusão que foi construída ao longo do tempo a respeito de si próprio. Se eu me focalizar na realidade mesma do que está acontecendo, terei que reconhecer que talvez Eu não seja exatamente o que penso ser, o que espero ser. Perceber que talvez nós sejamos outra coisa diferente de tudo que aprendemos, tudo que construímos dentro de nós mesmos é muito forte, representa às vezes um processo de perder a identidade.

Acontece que essa "identidade" é, --em função da falta de conexão com a realidade--, totalmente falsa, artificial, construída com fragmentos de idéias que nem sempre nos pertencem, elaborada com dogmas, conceitos, verdades que talvez pertençam a outra realidade, a outras pessoas, e que não afinam com nosso coração, com nossa essência.

Perder a identidade, aquela, pode ser o caminho para encontrar a identidade.

O processo de estar presente se torna cada dia mais doloroso na medida em que temos que tirar a roupa, tirar as vestes todas, ficarmos definitivamente nus das ilusões que nos acobertavam e aqueciam. Olhar-se no espelho do "outro" totalmente nu de preconceitos, justificativas e julgamentos é descobrir a própria identidade, é descobrir quem realmente somos, quem sou Eu.

Essa caminhada nada suave traz uma recompensa. Traz a consciência de si mesmo, traz a pessoa verdadeira à tona, traz a verdade para a superfície, nos transforma em pessoas de verdade, que é o primeiro passo para a evolução, provavelmente o princípio de um conhecimento maior, de uma conexão com a realidade divina.

Enquanto eu for um personagem forjado pela necessidade de dar significado à minha existência dentro de um contexto ilusório, não posso de fato progredir. Estarei circulando em torno de mim mesmo, em torno de minhas idéias e das idéias que me foram destiladas pela vida, estarei voando aleatoriamente como mariposa em volta da luz, sem jamais poder ter um contato real com a Luz.

Despir-se do personagem que criamos não significa abrir mão das defesas básicas, do instinto de sobrevivência; não significa também tornar-se anti-social ou alienado. O que acontece é que, na medida em que vamos nos desnudando de nossa história e nossos disfarces e caminhando ao encontro de nossa essência, começamos a nos relacionar com o que é mais essencial no "outro", estabelecemos uma relação mais verdadeira com o mundo que nos cerca, entramos em contato com a natureza real das coisas, nos tornamos pessoas reais.



Contam os árabes que Alah certo dia resolveu mudar todas as águas do mundo, e aquele que bebesse da nova água se esqueceria de sua porção divina, se esqueceria que era a manifestação de Deus, o próprio Deus. Um único homem prestou atenção às palavras do profeta que revelou a intenção de Alah, e foi até a fonte e encheu muitos barris de água, que escondeu em uma caverna que só ele conhecia. Veio um imenso dilúvio que inundou toda a terra e lavou a água que existia, todas as águas foram trocadas e, cada um que bebia da nova água imediatamente se esquecia que era parte de Deus, se esquecia que era uma criatura divina porque era filho da Divindade. O homem que ouviu o profeta não bebeu da nova água, ia todos os dias a seu esconderijo e bebia da velha água, aquela que não fazia esquecer, e ele era o único que sabia a verdade, o único que não havia esquecido quem ele era na verdade.

Depois de muito tempo, o homem que lembrava começou a se incomodar com a solidão, com o isolamento ao qual era submetido por todos os outros, que não o compreendiam, não sabiam o que ou quem ele era na verdade. A pressão da solidão foi muito grande, a vontade de se relacionar, de trocar com as pessoas começou a imperar e o homem acabou bebendo da nova água. Imediatamente se esqueceu de quem ele era e se tornou igual a todos os outros e nesse dia houve uma grande festa para comemorar a milagrosa cura do louco, que retornou de sua loucura para o convívio dos homens de bem...



A questão é essa, bebermos da água que nos faz lembrar quem somos na verdade, aceitarmos quem somos, sermos nós mesmos em conexão com a natureza, em sintonia com as leis do universo, pode representar um movimento em direção à solidão e isolamento por parte de pessoas que nós amamos. Nos tornarmos nós mesmos pode representar sermos alvo de um julgamento duro e ácido de que nos alienamos ou estamos com algum desequilíbrio, pois a referencia de todos será sempre o mundo ilusório dos personagens que cada um criou para sobreviver. Talvez por isso seja tão difícil optarmos por beber a velha água e nos lembrarmos de nossa conexão com Deus.

Aquele que se despe de seus disfarces, que deleta o personagem conveniente, fica presente, se relaciona com o momento, com o agora, com o instante que está vivendo, e ai então percebe que não está só, que tem muitas pessoas fazendo isso, tem gente se despindo dos julgamentos e do medo de ser julgado e se posicionando no mundo, ficando presente.

Não estamos sós. Aqueles de nós que estão atendendo o apelo do Eu verdadeiro e se transformando e se libertando encontram pelo caminho muitas pessoas que estão vivendo o mesmo processo, que também estão se desnudando da ilusão e procurando serem verdadeiras. Cada dia mais pessoas estão compreendendo que é necessário quebrar as regras que nos prendem a um mundo ilusório que nos aliena de nós mesmos, que nos transforma em personagens e caricaturas de pessoas. A cada instante tem gente rompendo com acordos sociais, compostos de infinitas clausulas de certo e errado, e que foram celebrados sem nossa presença e sem nossa concordância, e que por isso não temos que obedecê-los.

Dizem os xamãs e videntes Toltecas que no mundo material o semelhante repele o semelhante, como os pólos de um imã. Os opostos se atraem nesse universo. No plano transcendente, onde circulam forças espirituais, onde apenas a Luz e a verdade prevalecem, o semelhante atrai o semelhante e por isso, aqueles que se libertam da necessidade de ser aceito de acordo com as regras dos outros, aqueles que se conectam consigo mesmos e com a Realidade, se sentem atraídos e se ligam e se unem com os que estão fazendo a mesma caminhada em direção à Luz.

Por isso não é preciso sofrer de solidão, não é preciso se apegar à formulas e comportamentos que nos dêem a ilusão de aceitação, não é necessário ter medo de estarmos separados do mundo, pois o mundo real está se apresentando para os que experimentaram o desapego, os que venceram o medo e ousaram ser eles mesmos.

Felizmente não estamos sós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário