No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

ÂNIMA

PEQUENA HOMENAGEM À MINHA ÂNIMA

Estou desentendido com a susceptibilidade das mulheres.
Talvez a mulher que me habita seja também
tão susceptível, talvez ela se comova e se revolte
com a mínima mudança da direção dos ventos,
o mínimo gesto que envolva,
que chame para junto de nós outras vibrações do universo,
que na verdade, já estavam, sempre estiveram dentro de nós.


Estou perplexo com a delicadeza das mulheres.
Talvez a mulher que me habita seja também
tão sensível assim. Talvez ela se envolva com o mormaço,
se comprometa com a coisa morna do desejo,
mesmo aquele que a gente não se atreve.
Quem sabe, a delicadeza seja um poder, uma força sutil
como os átomos do plutônio queimando glóbulos no sangue
sem que ninguém perceba.
De qualquer forma, a delicadeza sempre me deixa perplexo.
De dentro para fora, de fora para dentro.


Estou amargurado com a dureza das mulheres.
Talvez a mulher que me habita seja assim tão dura
que eu prefiro ignora-la. Talvez ela se distancie daquilo
que não represente o mais absoluto amor.
Talvez ela se afaste de tudo que represente
causar alguma dor. Não sei,
mas me torna amargo não saber lidar
com esta força das mulheres.
Pode ser que, quem sabe, a mulher que me habita o coração,
seja de uma dureza tal que quando a reconheço
lá fora, o amargor me sobe aos lábios.



Estou eufórico com a esperança que as mulheres me dão.
Talvez a mulher que me habita seja a antena,
parabólica sensível / sensitiva que capta o futuro,
e sabe que, por não termos mais esperança de salvação,
já estamos todos salvos.
Talvez a mulher seja capaz, receptora do que ha de vir,
e por saber o que há de vir, me tranqüiliza
por saber que Ela sabe.
É possível que a mulher que me habita o peito, me acalenta
e me traz sempre aquela chama que vem do futuro,
chama de esperança, chama dos Deuses.
(Talvez Prometeu, que roubou a chama
que aquece o espírito dos homens, aquela mesma,
fosse Ela, e por isso acorrentada,
talvez...)

Estou embriagado com o que sinto de todas as mulheres.
Absolutamente encantado.
Talvez a mulher que me habita seja a senhora do meu encanto,
e me permita sentir e viver algum encanto
em meus dias e nos dias que me restam.
Talvez a mulher seja a substância, ânima que me anima,
e com a qual construo meus sonhos.
Talvez seja a matéria prima do meus desejos,
a força que me move para o futuro,
talvez ela me dê a mão, de dentro pra fora e,
se eu for digno, de fora pra dentro,
e vá comigo em direção ao futuro e salte comigo
no abismo do que virá.

Mas esta Mulher agora, quando penso nela,
alma dentro de mim, alma fora de mim, tanto faz,
ela é uma só, sempre a mesma,
seja multidão, seja um harém, seja uma só
é sempre a mesma, ela me traz
doçura aos lábios.

VAL BENEDETTI

ASPECTOS

Aspecto, pelo que ouvi dizer, vem de "aspectare" que significa Espiar... dar uma olhadinha...etc...

A questão é que, na interpretação, vamos fazendo um tipo de triagem e observando os destaques, o que se evidencia no mapa, o que particulariza aquele indivíduo num contexto coletivo. Nesse caso, por exemplo uma conjunção com o ascendente é uma particularidade extraordinária, pois o ascendente viaja a 360° por dia... nada é tão rápido no horóscopo... então criamos ai um momento único e raro no tempo, quer dizer, mais raro que um pluto em virgo, por exemplo, que ficou anos por lá...

Por isso uma aranha no ascendente transforma qualquer um em homem aranha.

Tem outra coisa, o Marcelo fala de que temos que ver a posição primeiro, e eu concordo absolutamente com isso. O problema é um estilo de interpretação que privilegia os aspectos e esquece a posição planetária (casa e signo), dai ouvirmos certas afirmações do tipo: " ah, mas o cara tem quadratura de saturno com marte" , "ah, mas o sol está em trigono com urano" e etc.... sem levar em conta a posição desses planetas, que tem que ser considerada 100 km antes desses aspectos...

(isso não invalida a importancia dos aspectos, apenas os coloca  em seu devido lugar)

Por exemplo, como funcionaria um trigono de Saturno em Cancer com Venus em Escorpião... e uma quadratura desses mesmos planetas, estando Saturno em Capricórnio e Venus em Libra. Qual desses aspectos é mais complicado para a vida da pessoa? Alguem pode me dizer? Qual é melhor, menos dificil, o
trigono ou a quadratura?

Bem, se alguem souber a resposta, vai entender que posição é infinitamente mais importante que aspecto, e o porque disso...

Tem outra coisa, referente às orbes...

Existe uma tecnica explicada por... por.. .ah, esqueci quem me ensinou isso, mas enfim, é bem interessante para entendermos algo sobre as orbes:

Cada grau de orbe considerada tem um significado analogo ao significado do numero em questão, por exemplo, uma orbe de 1° tem "natureza" de conjunção, mesmo que seja em um trigono ou quadradura, ela modifica, interfere na energia do aspecto.

Orbe de 2° tem natureza de oposição. Isso em um trigono força uma busca de complementaridade além do fluxo energético típico desse aspecto.

Orbe de 3° tem natureza de trigono (360° / 3=120°), e uma orbe dessas em uma quadratura, por exemplo, suavizaria bastante a tensão própria das quadraturas...

Orbe de 4° tem a natureza de quadratura (360° / 4 = 90°), e dá pra imaginar o significado disso, o incremento que apareceria em um trigono, por exemplo...

Acho que já deu pra entender, e como estamos falando com pessoas pensantes, voces concluam o resto...

Tem mais uma coisa referente às orbes que é um calculo feito na antiguidade, uma das fórmulas de previsão baseadas no moviemto de Saturno, o movimento da estruturação do ser:

Nessa tecnica, multiplica-se a orbe do aspecto por 7 (anos) para saber quando esse aspecto fará parte da consciencia do indivíduo, tornarse-a um fato operacional em sua vida, seja através de algum acontecimento
específico, seja através do simples amadurecimento da pessoa.

O aspecto funciona a vida toda virtualmente, mas a partir da data resultante dessa multiplicação, ele se torna real mesmo. (o virtual é um estado entre o imaginário e o real)

Um aspecto de 5°,30', por exemplo (de orbe), será "detonado" e se tornará fato objetivo na vida da pessoa aos 38,5 anos de idade... uma orbe de 9° fará com que o aspecto "aconteça" aos 63 anos de idade, por exemplo... (nao se esqueçam de considerar cada minutinho e segundinho na conta, ok?)

Diante disso, se é que essa tecnica funciona mesmo, podemos considerar que um aspecto de orbe mais apertada começa a funcionar e se tornar instrumento consciente na vida do indivíduo mais cedo, sendo mais presente e mais ativo durante toda sua existencia...

Isso é pra pensar, que a astrologia nos oferece essa possibilidade incrível de simplesmente não aceitar as coisas antes de questionar e raciocinar em cima delas...

VaL
(postado em alguma lista de discussão)

ASTROLOGIA DO CONFORMISMO

É por isso que precisamos de um bocado de coragem para desafiar nossas próprias crenças. Ainda que saibamos não haver escolhido nenhuma dessas crenças, também é verdade que terminamos por concordar com todas elas. A concordância é tão forte que mesmo que a gente entenda o conceito de que não são nossas verdades, sentimos a culpa e a vergonha que ocorrem se formos contra essas regras. D. Miguel Ruiz


A Astrologia, esta Astrologia que nós praticamos durante tanto tempo, comprometida com o Sonho do Planeta, assusta-nos ainda. Percebemos um aroma, uma certa luz que pode nos conduzir para além das Leis que regulam e nos mantém neste estado adormecido, mas muitas vezes nos falta a coragem para desafiá-las.

Está funcionando, está - teoricamente - dando "consciência" a nós, mas a consciência que uma Astrologia comprometida com o grande Sonho nos dá é limitada e delimitada pelas Leis reguladoras deste Sonho. É uma Astrologia engajada e comprometida. A consciência que ela nos dá é a repetição das normas e regras mantenedoras, adormecedoras. Satisfaz a vaidade intelectual, mantém-nos aparentemente ligados ao universo e com acesso às leis da Natureza. Mas nossa visão, empanada pela neblina do sonho, não nos permite ver além das descrições convencionais, de que Saturno é o medo, Marte, o sexo e a Lua, a mãe, e assim por diante. Intuímos que existe algo além desta descrição, mas quem de nós ousa ir além? Romper com a regra, fugir do padrão, recusar-se a aceitar a mera descrição comportamental como modelo de consciência, quando não é consciência coisa nenhuma. Descrição não é consciência.

E quando prevemos o futuro, ou "analisamos tendências", como dizem os mais modernos, ou "avaliamos o potencial" dos acontecimentos, como dizem outros ainda, o que estamos fazendo? Reforçando o sonho do que é certo e errado, projetando a pessoa no futuro do próprio sonho de que o que nos apresentaram como mundo é o mundo mesmo. Talvez até seja, mas é difícil sabermos, não é?

Mas podemos todos questionar se este mundo ao qual estamos atrelados, esta "realidade" na qual estamos submersos e com a qual estamos comprometidos, permite nosso crescimento além dos limites dela, permite a sensação de integração com o universo, permite a constatação da plenitude que intuímos existir em nós.

E quando a Astrologia incorpora uma linguagem mais esotérica, quando os recursos interpretativos e a base filosófica da análise se sustentam sobre dogmas e conceitos religiosos, alguns vindo do Oriente e meio forçosamente adaptados à linguagem da Astrologia ocidental, enfim, quando isto acontece, o reforço da ilusão é maior ainda, mais enganoso ainda, pois nos afunda em afirmações que não poderemos constatar jamais, compromete-nos com a idéia de que não temos responsabilidade sobre nossos atos, e sim algum outro que fomos em outra existência, como se os egos reencarnassem e trouxessem todo seu vínculo ao livro da Lei, todo seu compromisso com a pequenez moralista do ser humano, as experiências vividas, os débitos a serem pagos e outras mediocridades que nos desvinculam da possibilidade de sermos espíritos livres e iluminados, e nos atrelam com a alienação submissa de quem vive adormecido neste plano do grande Sonho coletivo.

Assim como o governo possui o Livro de Leis que regula o sonho da sociedade, o nosso sistema de crenças possui o Livro da Lei, que regulamenta nosso sonho pessoal. Todas essas leis existem em nossa mente, acreditamos nelas, e o Juiz dentro de nós baseia tudo nessas regras. O Juiz decreta e a Vítima sofre a culpa e o castigo. Mas quem disse que existe justiça neste sonho? A verdadeira justiça é pagar uma vez por cada erro. A injustiça verdadeira é pagar mais de uma vez por cada erro. D. Miguel Ruiz

O horóscopo pode ser uma reprodução, uma expressão materializada do Livro da Lei, e ser um poderoso instrumento de manutenção da regulamentação do sonho pessoal, depende apenas de como for utilizado, e acreditamos que, até o presente momento, o horóscopo e a Astrologia são usados apenas para a manutenção da Lei e do Sonho, raramente para a libertação e transformação.

Como já dissemos anteriormente, a linguagem da Astrologia está circunscrita aos limites e aos códigos de nossa mente, que por sua vez está atrelada ao estatuto moral da sociedade, seus princípios e regras. Não há muito como fugir disto. A Astrologia, assim como todas as leis que constam no Livro da Lei da realidade, está contida também em nossa cabeça.

Usamos a interpretação para julgar e manter, alimentar o status quo, reforçar os padrões morais e manter a pessoa atrelada a seu nível de exigência. Poderíamos ousar afirmar que toda interpretação que seja coerente com a realidade, como a percebemos dentro dos limites de quem está adormecido, é um julgamento!

Certos padrões que se repetem na análise, procedimentos comuns, como por exemplo afirmações do tipo "você é assim!", "você tem um grande potencial para a cura", "tua capacidade de relacionamento está bloqueda pelo aspecto de Saturno com Vênus", "o Urano dominante no teu mapa te torna uma pessoa excêntrica e com grande necessidade de ser livre", "A posição de Pluto confere uma grande necessidade de poder - ou potencial para exercer poder", são reforços ao estado de inconsciência ao qual somos todos submetidos pelo Livro da Lei, pois todas estas afirmações, citadas como exemplo, só fazem sentido em uma realidade na qual estamos separados dos outros, não estamos de fato vinculados à humanidade, nos achamos especiais e únicos, e estas características são muito eficientes para afastar a gente de si mesmo, para manter a gente dopado e embriagado pelo sonho cultural que vivemos.

Fazer uma pessoa sentir-se feliz e confortável dentro dos problemas dela, mostrar saídas para que ela se conforme e mude sem mudar nada na verdade, não creio que seja mal. Aliás, é o pouco que podemos fazer com a Astrologia tradicional. Mas esta estratégia e este uso da Astrologia é um meio de manter a pessoa adormecida, acreditando que aquela vida, aqueles problemas ou pequenas soluções, são tudo que lhe resta.

Talvez seja mesmo, não é? Quem sabe? Aliás, minhas defesas e meus medos estão aqui me cutucando desesperadamente para que eu não acredite que haja algo além daquilo que o mundo me convenceu que existe, não haja nada além da Astrologia que eu conheço, a não ser algumas tecnicazinhas e novas posições planetárias e variações sobre o mesmo tema. Será que resisto? Será que me entrego à pressão do sonho que está me assobiando que sou ridículo em querer pensar além do que me é permitido? Ai! Que faço eu?

Valdenir

ASTROLOGIA DO PRESENTE

A Astrologia nos desperta para o misterioso. Nos caminhos do mistério, sentimos a clara necessidade de investigar novas compreensões, encontrar chaves, passagens para níveis cada vez mais altos e claros de entendimento. Desvendar o mistério.

Às vezes falta motivação. Outras vezes, humana preguiça nos comove e convence. Em alguns momentos podemos perder o foco e, em outros, encontrar o foco novamente, mas sempre a Astrologia – uma vez que entremos nesse misterioso caminho – nos alimenta de alguma forma e se faz presente em nossas vidas.

Se tivermos sorte, ou estivermos atentos o suficiente, podemos prosseguir com eficiência e alguma produtividade. Novas sementes surgem sempre quando se caminha e, se as semearmos, frutos bons devem brotar.

Foi nessa busca de novas sementes e necessidade de solo fértil que encontrei um aluno virtual. Ou melhor, ele me encontrou. Veio transbordando de perguntas. Perguntas instigantes, que vão obrigando a gente a ficar desperto, e, dentro desse estímulo desafiador, podemos aprender algo novo com o que surge no silêncio que acontece entre uma pergunta e sua resposta. Um turbilhão de idéias aparece quando a energia flui entre as pessoas, e, exatamente nesse acontecimento, nessa troca, nasce uma inédita compreensão do que se vem aprendendo a cada dia. Novas sementes estão sendo plantadas.

Estou aqui compartilhando um desses diálogos com meu aluno virtual, seqüência daqueles que vêm acontecendo e princípio de outros que já prometem aflorar.

O material foi um pouco editado durante a transcrição para as idéias ficarem claras, mas nada foi efetivamente alterado. O formato é o de perguntas e respostas, reproduzindo o mais fielmente possível as conversas que tivemos.

Tratávamos aqui de um tema recorrente nos dias de hoje: viver o presente e como a astrologia pode se aplicar a isso.

Aí está o resultado. Experimentem.

P – O que é “astrologia focada no presente”?

R – Astrologia do Presente (vamos resumir com essa expressão) é a astrologia do que é presente, daquilo que esta acontecendo agora. É uma astrologia que não trabalha com base no Tempo, ou seja, não é seu propósito fundamental operar com o futuro ou com o passado. O tempo dos verbos é conjugado no presente, raramente no futuro ou no passado e nunca no futuro do pretérito.

A idéia de passado e futuro para a Astrologia do Presente é encarada exatamente como uma idéia, um pensamento, um entendimento. Pode ser mais que isso?

Passado é compreendido como referência na formação do estado de ser atual, e pode, a partir daí, ser deixado em seu devido lugar. Podemos não precisar mais carregar o passado todo o tempo.

Também não é propósito de uma astrologia focada no presente gastar energia com o futuro. Ele só pode ser construído neste exato instante: não há necessidade de se pré-ocupar, pré-sentir, pré-ouvir ou pré-dizer, porque o tempo do agora pode ser usado plenamente para saber e viver o que está acontecendo exatamente agora. Não é possível viver de fato antecipadamente uma situação, como não é possível respirar agora a próxima respiração.

P – Esse jeito de olhar para a Astrologia usa o horóscopo para quê?

R – A Astrologia do Presente usa o horóscopo exatamente como aquilo que ele é: um mapa. Um roteiro ou um guia para nos conduzir a um determinado lugar, um lugar muito especial: nossa casa. Para a Astrologia focada no Presente, o horóscopo é o mapa do caminho do retorno à nossa casa, ao nosso Ser.

Curiosamente, o mapa de uma viagem que nos conduz ao lugar onde sempre estivemos e eventualmente não lembrávamos. Um lugar ao qual nunca chegaremos de fato porque nele já estamos. Sempre estivemos.



P – O Horóscopo, nessa visão, mostra como somos?

R – O mapa astrológico mostra o que pensamos que somos, o que nos ensinaram que somos, e não necessariamente o que na verdade somos.

Se olharmos corajosamente para tudo aquilo que não somos – e pensávamos ser – podemos arrancar os véus, podemos tirar as máscaras, despir toda fantasia a nosso respeito, toda carga de crenças e condicionamentos que costumamos chamar de personalidade. O que restar disso tudo será exatamente o que somos, nossa essência, aquilo que É.

Naquilo que Somos não existe sofrimento. O sofrimento é criado pelo esforço em sermos outra coisa, que não nós mesmos.

P – Como eu posso saber se “aquilo que somos”, o que restou depois de jogar fora tudo que descobrimos que não somos, também não é apenas mais uma ilusão, como era aquilo que pensávamos ser?

R – Não há como saber. Isso não tem nada a ver com saber. É apenas um sentir, tão absoluto que se transforma em uma convicção, em um sentimento de integração com algo tão imenso, que qualquer palavra que se diga é tosca diante da grandeza do que se sente.



As palavras perdem o sentido, não são suficientes para descrever o estado revelado, como quando alguém se apaixona profundamente, por exemplo.

Então, não precisa saber. Basta sentir que perceberá que não é uma ilusão. E pode inclusive escolher onde quer existir: se nesse estupendo sentimento de totalidade e liberdade, ou no velho sentimento de segurança e luta pela segurança.

P – Se eu descobrir tudo que não sou através do mapa, meus problemas acabam?

R – Não. Nenhum problema acaba, porque em essência eles nem existem. Nada muda na verdade no mundo das aparências. Você apenas fica sabendo que você não é seus problemas. Eles nem sequer são seus problemas, e, sabendo isso, você pode olhar para eles, observá-los e agir com autonomia sobre o que acontece. O mapa astrológico permite que você possa olhar para aquilo que chama de problemas, sem se identificar com eles, e isso facilita e permite a resolução das coisas.

P – Então os signos, planetas e Ascendente e tudo mais da astrologia não mostram aquilo que eu sou, como sou?

R - Durante milênios, o Ser vem sendo convencido de que ele pode ser alguma coisa, que ele precisa ser “alguém”, que ele tem uma personalidade, que existem infinitas classificações e níveis em sua personalidade, mas isso é apenas uma idéia, um pensamento, uma crença instituída. A única função da imposição cultural dessa necessidade de ser alguém ou alguma coisa é manter o indivíduo afastado de seu verdadeiro Ser. Você não é o que seu horóscopo mostra, mas pode utilizar esse recurso simbólico como canal da expressão do que você realmente é.

Estamos falando aqui de uma mudança de paradigma.

P – Mas como então funciona meu signo? Como é que as pessoas se comportam exatamente de acordo com o signo, Ascendente, Lua, etc.?

R – As perguntas já contêm em si a resposta: “as pessoas se comportam”. É apenas comportamento condicionado. É simplesmente uma representação possível – dentro do plano da matéria – de qualidades essenciais e transcendentes. Comportamento pode ser escolhido. Comportamento pode ser condicionado. Ninguém é seu comportamento, e o horóscopo não tem como mostrar com exatidão as infinitas possibilidades de comportamento. Só o intérprete enxerga e presume comportamentos no horóscopo. E só acerta, com aparente precisão, quando eles são repetitivos e automáticos.

O horóscopo é um meio de rompermos conscientemente com acordos existenciais, que jamais fizemos por livre vontade; nos livrarmos de programações e crenças que não nos dizem respeito.

P – Então, o horóscopo não serve para a gente se compreender melhor e também melhorar nossas vidas?

R – O horóscopo certamente serve para que você se compreenda melhor, exatamente por saber quem você não é. Poder se livrar de todos os rótulos e descrições – que lhe foram impostos através de tantas gerações – é uma grande experiência de liberdade e um ato de rebeldia sem precedentes em sua vida. Olhar o horóscopo, e se permitir deixar de ser aquilo que pensava ser, é absolutamente revolucionário.

Quanto à “melhorar nossas vidas”, basta examinar a sua própria vida e fazer a pergunta: melhorar o quê? Como se pode melhorar a vida?

Você só pode permitir que a vida flua sem resistir a ela. Você simplesmente pode fluir junto com a existência, sem ficar impondo regras, que estão em sua mente e em nenhum outro lugar. A vida é a vida e pronto, não há como melhorar a vida. O ato de viver já é completo e pleno em si mesmo.

O que podemos é navegar com doçura, fluir harmoniosamente com a vida. Isso é um grande passo, o único. E então, tudo funcionará exatamente como deve funcionar.

P – Mas como se explica, por exemplo, que uma pessoa do signo de Capricórnio seja ranzinza, ou um ariano seja impulsivo?

R- No universo das aparências, um capricorniano pode ser ranzinza e um ariano impulsivo, mas é apenas uma ilusão institucionalizada, é apenas uma expressão comportamental. A essência desses seres nem é uma coisa, nem outra. Ser ranzinza ou impulsivo é uma escolha, um condicionamento ou uma imposição cultural e não uma fatalidade. Essencialmente, quem pode ser ranzinza, ou seja lá o que for? Apenas o ego, a mente, pode se identificar com esses programas comportamentais e se sujeitar a eles.

Ao identificar-se com a descrição que é feita dela - tanto a construção subjetiva que acontece no próprio processo histórico de sua vida, quanto descrições objetivas, feitas por astrólogos ou leituras - a pessoa passa a agir assim e pensar que é esse agir, ou melhor, pensar que ela é essa descrição. As explicações dadas aos signos ou ao horóscopo servem para sedimentar a ilusão do que pensamos que somos ou, no caminho da consciência, para nos libertarmos disso verdadeiramente.

P – Então, para que serve enfim a Astrologia?

R – Serve para saber o que a pessoa não é. Isso é suficiente. Todas as análises descritivas feitas a partir do horóscopo são falsas – pois se referem a uma realidade projetada – e ao mesmo tempo, na dimensão do ego, são verdadeiras, porque correspondem à manifestação do Ser dentro da realidade que ele mesmo Cria. Se considerarmos isto, essas descrições podem se tornar úteis, pois nos permitem questionar e nos livrarmos de todas as ilusões nas quais estamos submersos, permitem que olhemos para aquilo que pensamos (ou pensávamos) que somos sem nos identificarmos. Nesse caso, o horóscopo se torna uma poderosa ferramenta de libertação.

E no caso de acreditarmos ser aquilo que o mapa ou o astrólogo descreve, o horóscopo se torna um lastro que nos puxa sempre para a mesmice e para a repetição de padrões.

Quando, por exemplo, a natureza do capricorniano ou do ariano é compreendida, quando se reconhece que, na totalidade do fluxo de energia universal, as qualidades desses signos e dos outros existem, independentemente de nossa identificação ou vontade, só então podemos fluir de acordo com essas energias e em perfeita sintonia com a natureza e potencialidade manifestada através dos símbolos, dimensionada e modulada sob a forma do corpo que ocupamos.

P – Então, toda a Astrologia que é normalmente praticada no mundo não serve para nada?

R – Serve sim. A Astrologia “normalmente praticada” é útil para manter o mundo exatamente como se acredita que ele é. É um alimento para a mente, para o ego. É um poderoso instrumento para justificar a miséria humana na medida que vai explicando e ajudando o indivíduo a se identificar com a condição em que vive.

Existe um ponto na vida de todos, um momento no qual o espírito grita e o corpo-mente talvez ouça. Esse é o momento no qual se joga tudo que se sabia fora, todo conhecimento inútil acumulado, o momento em que o novo começa a ser constatado como a única experiência possível em nossas vidas, o momento de des-cobrir. É um instante mágico, em que podemos constatar que todas as descrições foram feitas para alimentar e manter nossa personalidade, e através dessa personalidade, cristalizar o mundo na formatação que ele tem.

Quando ouvimos o chamado de nosso espírito, ocorre algo como uma “sensação de infinito”, uma clareza na consciência, um tempo no qual tudo que foi descrito antes perde o sentido e podemos então fazer uma escolha, a única possível: viver o agora.

Podemos fazer uma opção por nós mesmos e pararmos de atender à solicitação da cultura e da sociedade para que sejamos os seres submissos que querem que sejamos: basta “sair do tempo”, viver no presente exato em que estamos e não no futuro e no passado imaginários.

Podemos romper os acordos culturais que nos foram impostos. Eles só têm valor no medo do futuro ou na nostalgia do passado. Podemos eliminar todas as crenças de nossa vida. Todas nos remetem ao Tempo não-presente, ao futuro ou passado.

P – Mas a análise do horóscopo não pode ajudar a resolver problemas psicológicos e emocionais?

R - A Astrologia não é psicologia. A Astrologia não é terapia. A Astrologia não resolve problemas. Ela pode apresentar o problema a ser enfrentado. A atitude precisa é que resolve problemas.

As psicoterapias convencionais trabalham com um sujeito que está inserido em uma determinada programação e dentro de um contexto cultural definido. Sua função mais evidente é fazer o indivíduo se conformar àquela programação, ser feliz e adaptado com aquilo que ele pensa que é, e com o mundo fora dele.

Podem ser úteis nessa dimensão e para aquele sujeito, especialmente quando se acredita que a vida é feita de sofrimento, conflitos e dores, e na luta contra essas dores. Quem está de bem com a vida, quem está vivendo dentro do amor, não procura psicoterapia ou qualquer outra terapia. O amor que sente o faz sentir-se são. Pode haver maior cura que essa? Creio que todos nós tivemos oportunidade de experimentar isso uma vez na vida.

As linhas convencionais de psicoterapia criam uma situação de harmonia e equilíbrio entre o indivíduo e seu ambiente imediato, causando contentamento e bem-estar, sem questionar jamais o fato de que está integrando uma pessoa a um determinado ambiente tantas vezes doentio e insalubre.

Para tolerar e conviver com um mundo hostil a qualquer tipo de consciência é necessário muitas vezes tornar-se “ele”, tornar-se esse mundo, transformar-se naquilo que as demandas sociais e culturais esperam do indivíduo, e isso consiste em um evidente processo de afastamento de sua própria essência, de si próprio.

A necessidade dessa adaptação ao meio exterior é também conhecida como “normose” (como elaborou Pierre Weil, entre outros), talvez a fonte de todas as doenças modernas. A Astrologia do Presente desconstrói essa relação, no momento em que a pessoa percebe que ela já é o que tinha que ser, já está sendo, e ela é a criadora de sua própria realidade, nesse exato instante, sempre.

P – Se a realidade existe dentro desse conceito de “essência divina” ou de “consciência cósmica”, e se a pessoa se harmonizar com a sociedade como ela é, também não estará se afinando com a mesma consciência cósmica que tudo isso criou?

R - Tudo que podemos perceber no que você denomina “realidade”, apesar de – supostamente – ela existir independentemente de nossa percepção, será necessariamente e sempre reconhecida através de nossos próprios critérios e conceitos, será identificada pelos códigos e padrões que foram condicionados em nossa mente através da imposição cultural, através da educação – que é um canal para aquilo que vem de fora. E não poderia ser de outra forma.

Você acredita que é realmente saudável “afinar-se” com crenças e regras que não lhe dizem respeito, não respeitam sua natureza mais profunda? Podemos aceitar que Tudo é sagrado, tudo é divino e tudo foi gerado pela “consciência cósmica”, mas nem todo sagrado é harmônico com as necessidades básicas e particulares de cada ser manifestado. É como, por exemplo, um animal essencialmente carnívoro querer se tornar herbívoro, ou vice-versa. Tanto os animais quanto a carne e os vegetais são supostamente sagrados, no entanto nem sempre cada um é o alimento correto para uma determinada natureza particular.

Alguns processos psicoterapêuticos ou de doutrinação religiosa podem fazer com que um carnívoro se conforme – e seja feliz – comendo apenas alface, porque o importante para ele (e para seu terapeuta ou mestre eventual) é “ser feliz”.

O horóscopo permite uma sintonia autêntica com o que É, especialmente tornando claro o que não é. Carne não é alface. Carnívoro não é herbívoro.

P – Mas como isso é possível? Como usar o horóscopo para se saber o que não se é e isso servir para alguma coisa?

R – É possível sim, o “como” é o que estamos construindo.

Todos os símbolos são passíveis de infinitas interpretações. Cada símbolo é um “container” de energia. Energia pura (em nós, energia vital). O símbolo permite uma modulação dessa energia, para que ela se expresse e seja percebida como uma manifestação, um aspecto ou formato distinto da totalidade energética do universo, de forma que nós possamos expressá-la e experimentá-la de maneira diferenciada, para atender às necessidades de nossa natureza particular.

A interpretação dos símbolos é uma tentativa de se conectar com alguma dimensão, algum dos infinitos níveis ou planos da manifestação dessa energia, e é isso que acontece. Quem interpreta será o modulador dessa energia, ou seja, ela será compreendida ou manifestada no nível de conexão em que se encontra o intérprete.

Quando um intérprete fala, o símbolo se manifesta, adquire existência particular. As energias se concentram e se conformam dentro do molde que é o símbolo e adquirem então a aparente existência diferenciada.

Qualquer leitura que façamos do símbolo, por mais precisa que seja, é uma interpretação, e será delimitada e formatada de acordo com os conceitos, a sensibilidade e capacidade de expressão do intérprete de perceber os níveis mais elevados – ou não – dessa energia.

A tradução dos símbolos corresponderá apenas e somente a uma possibilidade interpretativa, e não ao fato em si mesmo. Portanto, será sempre e somente uma interpretação.

Qualquer interpretação do símbolo também é uma redução. É o que podemos fazer por enquanto, talvez como estratégia para nos libertarmos da necessidade de qualquer interpretação...

Aquilo que é não pode ser interpretado. Não é dual. Não existe, nesse caso, o intérprete e o objeto. Quando estabelecemos uma relação com o objeto na análise do horóscopo, já modulamos a energia e criamos um modelo de realidade qualquer, pessoal ou coletivo, baseado geralmente em experiências já vividas, em inventários acumulados na memória. E nada de novo acontece.

Nenhuma interpretação, pelo seu próprio embasamento – técnico e histórico – pode trazer algum novo significado. São apenas velhos significados ressuscitando. E agora eu pergunto: a realidade é apenas a repetição de velhas experiências?

É possível o vôo de um pássaro ser a repetição de alguma experiência, ou ele é sempre inédito? Ou aquele rio no qual ninguém entra duas vezes?

Qualquer repetição ou tradução do já experimentado e conhecido – dentro desta lógica – não corresponde à realidade. Aquilo não é mais. Só existe no pensamento. A interpretação do horóscopo é costumeiramente isso: classificação e inventário, repetição de padrões (todo ariano é... todo capricorniano é... toda quadratura significa que...), e isto mostra exatamente o que não é.

P – Isso está ficando complicado. Não entendi como, na prática, se usa o horóscopo para alguma coisa.

R – Na verdade, usar o horóscopo para alguma coisa é simplesmente colaborar com a manutenção da “realidade coisa”. Fomos levados a acreditar que qualquer coisa tem que servir para alguma coisa, nem que seja para fazer sombra, mas quem estabeleceu essa verdade? É uma verdade?

Aliás, essa “verdade” é bem adequada para guarda-chuvas.

A prática astrológica existe, mas não é como você está acostumado a entender a prática das coisas. Não é uma experiência mecânica de repetição linear, de causa e efeito e do entendimento disso. Na Astrologia Presente, como no próprio presente, não há causa nem efeito. Tudo é causa.

P – Como é isso de “não há causa nem efeito”?

R - Para que haja causa e efeito é necessário nos mantermos conectados com o passado das coisas e com o futuro imaginário delas. O inventário é a ferramenta. A memória, a matéria-prima. Referenciamo-nos ao acontecido e o denominamos “causa”, e ao fluxo dos acontecimentos, ou melhor, nossa percepção pessoal do que supomos ser um fluxo temporal, que chamamos “efeito”.

Acontece que a “causa” não pode realmente ser isolada do contexto da realidade, como se fosse um módulo à parte. A “causa” também é um efeito, também está inserida no fluxo da realidade, e, se formos mergulhar no centro dessa espiral, ou teremos uma compreensão absoluta do que é sincronicidade ou curvatura do tempo, ou iremos apenas nos emaranhar numa teia de explicações que não conduzem a nada.

A mente comum precisa fragmentar para compreender algo. Precisa criar módulos estanques de realidade para poder administrar a compreensão dessa realidade. A cristalização de momentos, de “causas”, pode até ser útil, na medida da necessidade do ser encarnado e suas vicissitudes. Nesse caso, como aprendi com a palavra de um mestre, estimula-se o efeito, que a causa aparece... Isto pode ser válido no sentido de poder olhar para os programas e scripts que seguimos e ver o quanto estamos separados ou comprometidos com eles. Não somos nem causa nem efeito, ambos estão fora do indivíduo, podemos observá-los e não nos identificarmos com eles.



P – Não se pode interpretar coisas como tendências, desafios ou facilidades nessa Astrologia do Presente?



R – Três níveis de abordagem são possíveis para cada símbolo. Na verdade, infinitos níveis, mas estes três são adequados para a prática.

O primeiro é o nível pessoal, no qual os símbolos astrológicos sugerem de que forma o indivíduo pode expressar a vida através de seus muitos canais, como a comunicação, a afetividade, a raiva, por exemplo. Nesta dimensão, diretamente ligada ao corpo físico e à mente, apenas o ego é interpretado. Toda análise que é feita se refere única e exclusivamente ao ego e suas possibilidades. Ai está a chave.

Quando interpretamos uma posição planetária, um aspecto, ou outra configuração qualquer no mapa, estamos falando diretamente do ego e para o ego. Estamos nos emaranhando cada vez mais na roda, no círculo, e escapando da espiral...

Aí está a oportunidade de localizar no mapa aquilo que é denominado ego, e a partir disso, sabendo que “ele” não é tudo que existe, é apenas uma interface entre nossa essência e a realidade exterior, já ficamos sabendo que não somos “ele”, e, não precisamos nos identificar com “ele”, nos escravizar a “ele” e a todas as suas referências (comportamento, psique, hábitos, crenças, etc.). São experiências, e como tais devem ser vistas e experimentadas, apenas isso.

Claro que, para se chegar a este distanciamento, este estado de observação, existe um trabalho a ser realizado sobre si, e esta é uma das bases da Astrologia do Presente: saborear conscientemente o momento presente sem nos submetermos a absolutamente nada que não venha de nosso coração.

P – E quais são os outros dois níveis?

R – O segundo nível interpretativo é o Social. São os planetas e configurações, representando a realidade exterior ao indivíduo e como ele a percebe e interage com ela. É onde circulam os “constructos” do ego, os elementos que aparentemente gravitam em torno da pessoa e alimentam e solicitam a existência do ego para que possam, por sua vez, também existir.

A relação do indivíduo com o mundo exterior se faz através deste canal: o ego. E o mundo exterior é na verdade, dentro dessa ótica, uma construção, uma criação do próprio ego. Por isso, dentro do Plano Social, a abordagem crítica do significado das configurações planetárias é tão importante. O indivíduo cria uma aparente realidade exterior a si mesmo (composta de crenças, dogmas, conceitos e regras) e essa realidade passa a se alimentar do próprio indivíduo, em um círculo vicioso, em um “samsara” alucinado do qual a pessoa crê que não consegue escapar, simplesmente porque tem dificuldade de compreender e ver o que está acontecendo, por estar dentro do “jogo”.

Um Mercúrio, no nível ou plano Pessoal, por exemplo, representa – em uma instância muito simples – a capacidade de utilizar o sistema nervoso para se expressar, para comunicar tanto suas idéias quanto seus sentimentos. As sinapses estão aqui incluídas.

No Plano Social, este mesmo Mercúrio vai simbolizar a necessidade de estabelecer contatos, conexões com o que está fora do indivíduo. Existe uma “cobrança”, diretamente feita ao Mercúrio, de que ele “tem” que se comunicar, “tem” que ser compreendido e compreender, “tem” que ser capaz de descrever uma determinada realidade, e o ego e todas as energias do Ser acabam se focalizando nessa suposta necessidade, se contaminando e se comprometendo com um mundo de descrições e idéias que, na maioria das vezes, não representam nenhum acréscimo no encontro consigo próprio ou um fluir saudável em conexão com a natureza.

No terceiro plano, o Transpessoal, esse mesmo Mercúrio vai representar o silêncio e a observação, vai representar o descompromisso com qualquer descrição e a integração com as coisas e os fatos, independentemente das necessidades do ego ou de atender a qualquer demanda da sociedade. No Plano Transpessoal, Mercúrio representa a impossibilidade de distorcer a realidade através de descrições ou artifícios mentais. Apenas a verdade pode existir aí.

P – Pode dar outro exemplo de um planeta nos três planos?

R – Vou dar outro exemplo, e espero que a partir daqui você pense e descubra por si mesmo os possíveis significados dos outros planetas, signos e configurações, dentro dessa abordagem.

O Sol é símbolo do centro e de todos os centros, em torno do qual todas as forças, significados e a manifestações possíveis da energia vital – representadas pelos símbolos astrológicos – gravitam.

No Plano Pessoal, o Sol representa a vitalidade, o fluxo da vida através do corpo que ocupamos. Representa a capacidade de iluminar, fornecer a luz que dá forma e consistência à realidade exterior e interior. A realidade é magicamente gerada pelo Sol de cada mapa, e configurada e formatada pelos demais planetas. O Sol também simboliza a consciência, a fonte da luz. Representa a Vontade e a capacidade de expressar essa vontade, sempre modulada e redimensionada pelos demais planetas.

As descrições do Sol em seu signo e casa, comuns em manuais de astrologia e completamente pulverizadas pela popularização, referem-se a comportamento e a pura e simples manifestação do ego. Qualquer descrição de signo solar (o capricorniano é ranzinza e o ariano impulsivo, lembra?) é uma descrição do ego e nada mais.

No Plano Social, o Sol representa a solicitação do mundo exterior por uma imagem, por uma circunstância denominada “importância pessoal”. A necessidade de reconhecimento é uma distorção do poder iluminante do Sol, que faz a pessoa buscar a luz da consciência fora de si mesma, nos outros ou nos acontecimentos. A “importância pessoal”, a necessidade de reconhecimento de fora para dentro, exige uma demanda extraordinária de energia vital, pouco restando para a caminhada em direção a si mesmo. A força gravitacional do mundo exterior, da sociedade, se manifesta e se engancha nessa necessidade de ter alguma importância no mundo, e aí a força solar é corrompida e, conseqüentemente, todos os demais planetas passam a se expressar dentro da contaminação gerada por essa situação.

É tão forte o apelo a uma imagem solar, a um comportamento estandardizado, em conformidade com a posição de signo e casa do Sol, que o ego acaba se apropriando da força infinita – representada por este planeta – e, engessando o indivíduo em um complexo de imagens e representações, causa um distanciamento absurdo de sua verdade pessoal, de sua própria essência, tornando bastante difícil a volta para o próprio centro.

Apenas com o foco no Plano Transpessoal encontramos forças para nos libertar da imposição e da cobrança por papéis solares, individuais e sociais. Nessa dimensão o Sol representa a compreensão de que somos Luz, manifestações da Luz, estamos imersos na Luz e somos geradores dessa mesma Luz. Parece bastante subjetivo e efêmero o que estou afirmando, mas não o é.

A Astrologia do Presente é prática e vivencial. O que se diz é o que menos importa. O que se vive, o que se respira, o que se experimenta é o que conta na verdade. Falar e descrever é estar comprometido com os planos vinculados ao ego. É claro que nos comunicamos, senão não faz sentido usar um mapa, mas dentro do critério de distanciamento crítico proposto pela Astrologia do Presente, ou seja, com base no que está acontecendo agora, no que estou sentindo agora e não no que senti ou no que aconteceu, e nem mesmo no que suponho que sentirei ou que em algum outro momento imaginário acontecerá. Isso realmente não interessa para esta prática.

Falar a respeito do horóscopo na prática de uma astrologia focada no Presente é como fazer uma canção, uma poesia, seguir um caminho através do qual fluímos e podemos trazer clareza para o que é, para o que acontece de fato, para a verdade das coisas e não para a ilusão temporal que circula fora e dentro da gente e dos eventos. Falar e interpretar o horóscopo é sempre questionar, olhar com implacável e impecável ausência de qualquer critério moralista para o que é e para o que não é, sem complacência e nenhum tipo de piedade ou concessão para crenças e valores instituídos, por mais que isso nos deixe desconfortáveis diante da cobrança de imagem, que o mundo exterior demanda.

No Plano Transpessoal a posição do Sol representa a possibilidade de uma fusão real e consciente com a totalidade da natureza. Significa fluir e navegar pelo fluxo da existência, sem se identificar com a dor e sofrimento ou com a alegria eufórica da sociedade e de suas compensações artificiais. Neste plano, seguir conscientemente, utilizando a força e o recurso proporcionados pelo signo solar é a única maneira de voltar para casa, de voltar para o centro, de encontrar a si mesmo e terminar com toda fragmentação e separatividade que o Plano Pessoal e o Plano Social, dentro de nossa cultura atual, nos impõem.

Atuar conscientemente é utilizar o símbolo do Sol em sua pureza total e se libertar de qualquer programa externo que tente corromper ou contaminar a verdade que se manifesta através de cada um de nós.

O que parece ser uma utopia é na verdade uma proposta real e consistente. Uma escolha que exige apenas coragem de seguir, porque ela é uma escolha natural e intensamente existencial. A mente condicionada, evidentemente, está resistindo a essa proposta com todas as suas defesas. Está tremendo de medo. Está quase em pânico e começando a apelar para o julgamento de que essas idéias são absurdas e sem sentido...

O Sol nos permite perceber que a luz não é solúvel em nada, não pode ser contaminada por nada. As variações de amplitude e freqüência do que estamos denominando Luz, nesse instante, compõem todas as coisas que existem, materiais e imateriais. Ela é real e absoluta, não há como corromper ou distorcer a Luz em si mesma, e, para concluir, é fundamental reconhecermos – e isso só pode acontecer com o foco no Plano Transpessoal – que somos feitos essencialmente de Luz.

Somos feitos essencialmente de Luz.

Val

ASTROLOGIA E LIBERDADE

A tribo dos Astrólogos Livres

A idéia de liberdade é uma das mais fascinantes para todos nós, talvez por estarmos presos a um corpo, presos a tantos compromissos e necessidades, inclusive a da mais básica subsistência.

Creio que, se considerarmos as necessidades básicas da vida (comer, dormir, relacionar-se, respirar), não somos realmente livres. Mas se considerarmos nosso direito de escolher nossos caminhos, de escolher nosso gesto, de elaborar e aprender nossos procedimentos para atender as necessidades básicas, somos livres sim.

Talvez tenhamos mesmo um destino a cumprir, mas a qualidade do ato de cumprir esse destino pode ser nossa escolha. Não creio que alguém tenha nascido para sofrer. Nada na natureza nasceu para sofrer. A dor pode ser inevitável em certos casos, mas ficar sofrendo é uma escolha.

A Astrologia exerceu sobre mim um fascínio extraordinário exatamente por causa disso. Ela apresentou a possibilidade de mostrar caminhos da liberdade, de escolher entre aquilo que pode nos limitar e prender e aquilo que pode nos conectar ao universo e nos fazer usar livremente o que temos de melhor em nossa personalidade.

O conhecimento da Astrologia é a compreensão das leis que regem o universo, é a possibilidade de nos integrarmos ao ritmo e aos ciclos que estão harmonizados com nossa essência e nossas potencialidades. Isso é maravilhoso. Isso é liberdade. É como aprender a ouvir a musica da natureza e poder se movimentar de acordo com ela, com leveza, fluindo, como uma dança mesmo. Creio que é essa qualidade da Astrologia que traz para ela tantos apaixonados, tantos estudiosos, tantos praticantes.

Mas a realidade de um mundo que estabeleceu outras regras e padrões é diferente. A necessidade de criar prisões para as almas, de enquadrar os espíritos para que eles acreditem que essa é a única forma possível de sobreviver em um mundo hostil, é uma característica que se desenvolveu entre os humanos durante sua historia. Esses acordos que mantém as pessoas na "separatividade", separadas de si mesmas, separadas dos outros, não reconhecendo jamais que somos células do mesmo corpo, navegantes do mesmo barco, responsáveis uns pelos outros, comprometidos com a grande nave terra, todos, sem exceção, igualmente importantes, igualmente responsáveis, cada um com sua função, cada um com sua qualidade a ser exercida no sentido de conduzir adequadamente o planeta em direção ao infinito.

E cada um de nós, cada ser humano, fazendo a diferença.

O acordo coletivo, que existe há séculos, e dentro do qual já nascemos, e que, portanto não assinamos e não teríamos necessariamente que obedecer, diz que o ser humano precisa de controle, precisa de limites, precisa de que alguém que se apresente como superior ou mais bem preparado lhe diga o que fazer, o que é certo e errado, em vez de mostrar que todos somos capazes, todos temos nosso papel e nossa responsabilidade, e cada um de nós é o único autor de seu próprio destino.

Dentro desse acordo coletivo de que somos seres separados de nós mesmos e do universo, e conforme a presunção de que alguns seres são mais especiais do que outros, e que, portanto devem saber melhor o que é certo e errado para os outros, muitos astrólogos estão se propondo a estabelecer as regras de comportamento e exercício da profissão de astrólogo.

Não perceberam que estão tirando da Astrologia sua grande vantagem, seu maior mérito, a liberdade que ela proporciona e a consciência que possibilita.

Estão sendo coniventes com um acordo histórico que minimiza o ser humano, transformando-o em um irresponsável que precisa que lhe digam o que fazer. Reconhecem em todos nós apenas crianças inconseqüentes ou cidadãos possivelmente mal intencionados ou mal formados, cidadãos que precisam de uma "ética" externa, estabelecida em comum acordo por aqueles que se intitulam mais especiais e lúcidos, seja imposta.

Para achar que o outro está errado, que a prática astrológica dele é inadequada, alguém precisa se colocar no lugar de ser capaz de julgar, alguém tem que se colocar na condição de ser superior ao outro. Quem disse isso? Quem os elegeu superiores? Quem lhes deu o direito de tirar a liberdade de ir e vir de quem ama e pratica a Astrologia? Quem lhes disse que as pessoas não podem errar e aprender com seus erros, como tem acontecido há milênios?

Para nos convencer usam argumentos nos quais eles mesmos acreditam, porque pensam igual, talvez porque noutras condições, fariam o mesmo. Dizem que aventureiros vão se apropriar da Astrologia, como um tal de sindicato dos terapeutas alternativos. Dizem que a psicologia acadêmica vai se apropriar da Astrologia e torná-la uma simples cadeira nas faculdades. Dizem que usurpadores gananciosos querem se apropriar da astrologia de todas as formas. Parece que estão com medo de perder algo do qual se julgam proprietários. Querem acreditar nisso e querem que todos nós acreditemos nisso. Não suportam a idéia de que Astrólogo é livre e seu trabalho e sua vida dependem de sua consciência e atuação apenas, de tal modo que aqueles que não fazem corretamente e com responsabilidade, não sobrevivem da Astrologia. O próprio mercado e a postura do astrólogo é o que regula seu trabalho, não precisando ninguém de fora para fazer isso.

Claro que existem os enganadores, os tais de picaretas. Alguns exímios em sua arte, tão bons em enganar que certamente serão os primeiros a querer e conquistar a proteção do sistema, os mais empenhados talvez em se colocar na posição de "respeitabilidade" por serem oficializados e andarem de acordo com a lei - com seus registros, crachás e carteirinhas -, lei essa que muitos de seus assemelhados criaram para proteger-se e manter-se no lugar de controlar a situação.

Na minha compreensão, as pessoas que estão empenhadas em enquadrar, institucionalizar, controlar a Astrologia e sua prática, são pessoas que tem duas motivações básicas:

Uma é a necessidade de controlar, pois são personalidades controladoras e tirânicas. O tirano, de acordo com uma compreensão de Nietzsche, é uma pessoa que se considera portadora do Bem, e que conseqüentemente acredita que todos os outros, todo “resto” é o Mal, e que, portanto, precisam ser controlados.

Outra motivação que observo é a do medo. Medos que querem que tenhamos todos, medo que faz as pessoas se agregarem por causa do perigo dos fantasmas, dos monstros noturnos e terríveis que povoam seu universo, exatamente como deviam fazer os homens das cavernas na escuridão da noite, se unindo pelo medo pura e simplesmente para se proteger do perigo que eles imaginavam que existisse. Dessa forma, provavelmente, surgiram a maioria das crenças sombrias que povoam o inconsciente da humanidade. Assim surgiu também um modelo paternalista e protetor, adotado por todos os tiranos e poderosos através dos tempos.

A idéia de que precisamos nos unir para nos protegermos de algo por causa do medo – seja de fora da comunidade astrológica, seja dentro dela mesma – é sórdida e contamina a beleza da Astrologia e seu poder de nos mostrar os caminhos da liberdade, além do fato de não despertar nada de bom nas pessoas, apenas sombra e medo. Quem prefere escolher mobilizar-se pelo medo? Quem quer ser cúmplice desse acordo perverso? Quem escolhe ser contaminado e pegar essa doença também, quando tem diante de si todo um universo de possibilidades maravilhosas, inclusive a de não ter que dar satisfação para nenhum suposto e auto-intitulado protetor de nossos interesses?

Existe também uma argumentação de que aqueles que não aceitam os modelos regulamentadores e instituicionalizadores propostos são seres anacrônicos, dinossauros da Astrologia que não querem ver sua modernização e adaptação às condições do mundo contemporâneo.

Será mesmo?

A idéia de estruturas hierárquicas organizadas e protetoras é tão moderna assim? A idéia de que precisamos de líderes paternais ou maternais para nos dar a direção da vida e estabelecer as regras do certo e errado – como se fossemos todos inconscientes de nossa capacidade, responsabilidade e poder pessoal – é uma atualização da pratica profissional da Astrologia?

Pensemos um pouco nisso também...

A Tribo...

Existe sim a possibilidade de união entre Astrólogos. Somos seres que vivem naturalmente em união, é uma condição do ser humano. Mas podemos escolher se queremos nos unir sob a autoridade de alguém que se supõe melhor que os demais – e que na verdade só acredita que as coisas funcionam quando são controladas por sua sabedoria e de seus assemelhados – ou podemos escolher nos unirmos pelo simples respeito à condição humana e pelo amor à Astrologia.

A Amizade, palavra atribuída e relacionada com o símbolo Urano, é talvez a melhor, a mais saudável forma de promover o encontro das pessoas que possuem em comum o amor pela Astrologia e a liberdade. Isso acontece naturalmente, amizade não pode ser forçada, simplesmente acontece porque tem um fio condutor que vai nos atraindo uns para os outros, e esse fio é a própria Astrologia. Vamos caminhando livremente e encontrando pelo caminho outros seres livres como nós, que acreditam nas mesmas coisas e que sabem que cada um é responsável pelo seu destino e pelos seus atos, e temos um mapa que nos é dado pela própria Astrologia para caminharmos direito, para agirmos em harmonia com as leis do universo e as leis da vida, e assim, vamos encontrando seres que tem a mesma vibração, a mesma consciência, o mesmo desejo de liberdade, e formando uma tribo cada vez maior e mais forte.

A tribo dos astrólogos livres.

Quanto aos "neo tiranos" de plantão, e todos aqueles que acreditam que podem controlar a pratica da Astrologia, - com todo respeito por sua boa intenção e boa vontade - deixemos que eles se controlem a si próprios e àqueles que ainda não entenderam que não podemos abrir mão de uma das melhores coisas que a Astrologia nos proporciona, a possibilidade de sermos livres e autores de nosso próprio destino.

ASTROLOGIA E LINGUAGEM

O QUE NÃO É ASTROLOGIA


Se mudarmos a pergunta, talvez possamos ter outras respostas e não ficar circulando atrás de explicações que vão apenas satisfazer um paradigma cultural, pois todas as respostas que possamos encontrar dentro de uma determinada premissa cultural – no caso, ciência ou não ciência, humanas ou exatas – obedecerão necessariamente a essa premissa, tanto faz se for contra ou a favor, mas sempre circulando o mesmo eixo, como o cão atrás do rabo.

Realmente, há uns 25 anos meu discurso era de que a Astrologia não era nem ciência e nem arte (como alguns diziam), mas sim uma linguagem, e, aplicável à ciência e a arte, ou melhor, um instrumento de sua própria ciência e arte, de acordo com sua “práxis”.

Entendia eu (e não abri mão inteiramente desse pensamento) que, funcionalmente, a Astrologia podia ser comparada a uma linguagem pelo simples fato de que ela, a Astrologia, surgiu da necessidade de compreensão que o homem tem de seu papel nessa realidade. Quem Sou Eu, De onde eu vim, para onde vou, o que estou fazendo aqui, etc., etc. esse tipo de perguntas existe em cada criança e em cada adulto, mesmo que às vezes a gente se distraia e se esqueça de perguntar, e aposto que essas perguntas devem existir desde que o primeiro sopro do pensamento invadiu o primeiro homem que ficou em pé.

Qualquer pergunta, para ser respondida, precisa de um tipo de código de compreensão, que não precisa ser necessariamente a linguagem falada, e pela necessidade dessa compreensão original, creio que a observação da natureza foi estabelecendo os códigos e fornecendo os elementos, o alfabeto para que a linguagem da relação Homem – Natureza se estabelecesse.

A Astrologia como Linguagem surgiu da necessidade do Homem entender sua relação com a natureza e seu papel nesse plano. Vejam bem, estou afirmando que a Linguagem surgiu de uma necessidade específica, e creio que a necessidade de algum tipo de entendimento está na gênese de qualquer linguagem.

A diferença entre a Astrologia (vista como linguagem) e as outras linguagens é que a necessidade das línguas normais é a comunicação entre os seres, e a necessidade que gerou a Astrologia é a comunicação dos seres com a própria natureza, o entendimento de seu papel no contexto maior. Ai vemos uma diferença funcional imensa.

De um lado, todas as línguas do mundo (as conhecidas, vivas ou mortas) e do outro, a Astrologia.

Então, Linguagem passa a ser muito pouco para a amplidão do que é a astrologia e seu papel, até mesmo na presunção de nos comunicarmos com os deuses, com a natureza como um todo, e a utilizarmos (em função de nosso limite humano) como linguagem, creio que estamos apenas triscando uma lasquinha da grandeza que é a Astrologia.

Não, não estou mitificando ou atribuindo valores absurdos e subjetivos à Astrologia. Estou dizendo o que sinto: que ela está além dos limites estabelecidos por qualquer linguagem, inclusive os limites com que podemos vivenciar e abordar a própria linguagem astrológica.

A Astrologia é simplesmente Astrologia. Possui uma gramática sim, para poder ser absorvida por nossa limitada mente, possui nessa gramática, em função da estrutura de pensamento permitida aos humanos em seu estado comum de consciência, uma morfologia, uma sintaxe, semântica e essas coisas todas. Mas isso é apenas o recurso razoável para que possamos acessar uma migalha da grandeza da Astrologia, que é: a Compreensão da Ordem do Universo, da Lei que estabelece as relações entre todas as coisas (isso é tão grande que não cabe no meu pensamento, só Deus mesmo pra pensar algo assim tão complicado).

Então, Tem linguagem, Tem ciência, Tem arte, Tem poesia, Tem musica e alquimia, a Astrologia Tem tudo isso, comporta tudo isso, mas não é nada disso em si mesma.

Astrologia é apenas, no meu entender, Astrologia.

E não vai se submeter à necessidade humana de classificar e discriminar todas as coisas (alguns chamam isso de ciência) para termos a ilusão de que podemos controlá-la, e de que não somos tão pequenos assim, diante da grandeza da ordem magnífica do universo.

Grato
Val

ASTROLOGIA E LOUCURA

Esse texto é antigo. Estava esquecido no depósito de textos antigos. Foi escrito em função de uma discussão qualquer em uma velha e extinta lista de astrologia.

Observando algumas situações atuais, ainda mais em época de eleições, quando mais que nunca os astrólogos começam a olhar apenas para fora de si, ao ponto de alguns até esquecerem-se de onde na verdade vem, e de onde vem a astrologia que praticam, entendi ser oportuna uma releitura desse texto.

Serve para me manter alerta e prestando atenção em mim mesmo. Serve para reconhecer o quanto é possível e perigoso investir na auto-importância e onde essa mesma importância pessoal começa a se tornar uma doença.

Se para mais uma pessoa pelo menos ele for útil, já está valendo.

ASTROLOGIA E LOUCURA

Há aproximadamente 30 anos, meu professor de astrologia, Wanderley Vernili, disse uma coisa que me chateou: "aquele que usa o símbolo inadequadamente será punido por ele". No momento eu debochei dessa palavra, disse que isso era astrolatria e tolice. Levei muitos anos para compreender a profundidade e verdade contida nas palavras do meu mestre, e vou tentar compartilhar com vocês por achar isso muito sério.

O Símbolo (planetas, signos, casas, aspectos, no caso da astrologia) é algo que supostamente nos habita, é um conteúdo de nossa psique, ou mais ainda, é um potencial energético que existe em nosso ser e que é sintetizado e eventualmente traduzido pela mente sob a designação de símbolo, mas que existe e se manifesta independente de nossa compreensão intelectual "dele". Saturno ou Vênus, por exemplo, representam qualidades inerentes ao ser (medo, afeto, desejo, etc.), potenciais infinitos de energia que se manifestam ciclicamente ou quando estimulados por alguma circunstância externa ou interna. Creio que isso é uma visão sintética e simplificada do funcionamento planetário.

Quando um indivíduo "transgride" uma função simbólica, quando permite que, por vaidade ou medo ou outra problemática qualquer, a função Lunar, Saturnina, Mercuriana, ou outra, sejam corrompidas e distorcidas, pervertendo seu significado essencial, esse potencial que foi ativado eventualmente se voltará contra o próprio indivíduo, seja através de comportamentos sórdidos e inadequados, seja através da somatização e doença física, seja através dedistúrbios psicológicos que não conseguem se manter ocultos por muito tempo atrás das mascaras e dos personagens queantes os ocultavam.

O próprio indivíduo é o único canal da expressão do símbolo, e a partir do momento em que ele, o símbolo, for despertado, se a pessoa não estiver no lugar de expressa-lo, poderá tornar-se vítima dessa manifestação energética.

É um pouco difícil aceitar a possibilidade de que a Astrologia pode enlouquecer. Exatamente. Enlouquecer!

As linguagens simbólicas, "sempre" colocam o indivíduo em sintonia com os símbolos dentro de si mesmo, e quanto mais praticadas e estudadas essas linguagens, maior a conexão como símbolo, mais ele é ativado, despertado, e as energias e manifestações desse símbolo ativado passam a representar as motivações básicas, conscientes e inconscientes do comportamento da pessoa e de todas as suas relações, consigo mesmo e com a sociedade. A ativação do símbolo, particularmente entre Astrólogos, tende a conduzir a pessoapara uma conexão cada vez mais intensa com aquilo que os Junguianos denominam "self", os ocultistas denominam "espírito", a essência mais profunda e original do sujeito, enfim. Quando a pessoa está nesse caminho de conexão com os significados reais e naturais do símbolo, e resolve se comprometer com realidades que não sejam pertinentes à pureza e a qualidade do símbolo em si, inicia o processo de transgressão, e começa também a eventual punição do indivíduo pelo próprio símbolo que o habita.

Vejam, não vem nenhuma entidade de fora trazer qualquer castigo, e muito menos sentimentos condicionados de culpa e inferioridade podem ser responsabilizados por isso. O des-astre (rompimento com o astro) vem de dentro para fora.

Por mais que se tente, não há a quem culpar.

Observamos que o comprometimento com valores e condições que agridem a natureza essencial das pessoas, podem desencadear a expressão distorcida do símbolo, trazendo desequilíbrios e doenças de todos os tipos, especialmente para a pessoa reativa, aquela que não percebe estar fazendo isso. A idéia desse comprometimento com circunstancias que agridam a condição original do símbolo, tem relação direta com a imposição cultural da necessidade de ser importante, de ser “especial” ou de “estar com a razão”.

Além da importância pessoal, o maior e mais destrutivo dos venenos, temos visto praticantes de astrologia que confundiram totalmente sua vida e sua prática, misturando conceitos religiosos e místicos com a astrologia de uma maneira bastante artificial.

São praticantes que olham somente para fora de si. Ai está a chave.

As distorções na pratica da astrologia podem aparecer sob as mais diversas formas, mas todas elas envolvem a necessidade de aprovação, ou o medo da rejeição (seja de homens, seja de entidades espirituais.

Envolvem também necessidade de poder e controle, ilusão desaber mais da Verdade do que os demais, e por ai vai mais umalista de aberrações não tão incomuns assim.

Todas as distorções implicam em estar olhando para fora, estar julgando o que acontece fora e negando o olhar para si mesmo.

Aguardemos os próximos capítulos das distorções e vamos procurar nos cuidar para não cairmos também nesse engodo da vaidade e sede de poder.

Basta estarmos acordados, procurarmos ser Pró-ativos em vez de Reativos, e refletirmos sobre qual é de fato a nossa importância, se é que temos alguma.

AUSÊNCIAS

Ausências

“... Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada,

aconchegada nos meus braços, que rio

e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.”



Carlos Drummond de Andrade

Turbilhões de sentimentos me dispersam, se é que é possível alguém ser dispersado. É possível que aconteça da mente perder o foco, se deslocar do ponto de fuga da tela que denominamos realidade, e a isso nós chamamos de dispersão, mas é apenas um nome, pois parece que estamos integrados de tal forma que a dispersão não é realmente possível, pois seria como experimentar a desintegração de si mesmo, ver nossos átomos se espalhando por aí em pés de vento, rodamoinhos de átomos de gente, se fundindo ao nada, se misturando com o todo, e no momento ainda conectados ao corpo, não estamos preparados para isso.

Mas os sentimentos continuam a aflorar aos borbotões, e eu acho linda essa idéia de “aflorar aos borbotões”, seja lá o que for “borbotões” (essa palavra parece representar uma cascata que brota do solo dos sonhos e jorra para cima, circular e espumante, fazendo o som das asas de milhares de mariposas em polvorosa, aliás, outra palavra interessante...). Estou percebendo, reconhecendo em mim, a resistência que nós temos à perda, de qualquer coisa, de absolutamente tudo. Qualquer mínima ruptura é uma perda, qualquer afastamento é sentido como uma perda, mesmo quando é importante e necessário, mesmo quando é inevitável.

Minha memória retorna ao momento não muito distante de uma grande perda, a de uma irmã querida, como costumam ser as irmãs. Meus pensamentos vagueiam através dos mistérios da ausência, das conversas que nunca aconteceram, das declarações de amor que não tivemos chance de dizer, mas que estavam latentes, presentes no olhar, no gesto, no cuidado. Mas faz falta, faz mesmo uma falta imensa (como podemos dimensionar a falta de algo? Como chamar uma “falta” que algo nos faz de grande ou pequena? Será o tamanho do espaço vazio que fica?). Os detalhes do vazio se acumulam e invadem o pensamento a cada instante. A firmeza no pensamento é fundamental para que não nos entreguemos à melancolia, que nada de bom trará, pois a vida continua sempre para frente.

Ainda percorrendo os labirintos da memória, me deparo com outras ausências, espaços imensos que ficaram dentro de mim, ocupados no seu tempo por pessoas que amei intensamente, ou penso que amei, quero crer que amei.

Sem enveredar pela lembrança dos fatos e das eventuais mágoas fecundadas por antigos sentimentos, mas recordando apenas as muitas faltas que senti, começando a se apresentar aquele ardor morno da saudade, que vem serpenteando sinuosa se a imagem amada é evocada, surge a perplexidade diante do vazio imenso, vertigem diante do abismo que ficou dentro de mim, consequência das histórias, de todas as histórias de amor vividas, da história dos amores que partiram.

Reflito e percebo nesse instante que toda perda tem o mesmo sabor. Gosto de ranço, gosto de vazio, gosto de fracasso. Talvez não seja assim para todas as pessoas. Quem pode saber? Mas em geral, quando uma pessoa amada vai embora, seja uma irmã, seja um companheiro, um amigo querido, alguns órgãos de nosso corpo, que cumprem suas missões silenciosamente, começam a produzir humores e secretar fluidos misteriosos que alteram nosso paladar, e o gosto pela vida fica diferente, bem diferente. Pelo menos até entendermos e assimilarmos a perda, esse será o sabor que prevalece.

Em minhas lembranças, nesse momento, a presença poderosa da morte é intensa. Qualquer perda possui a natureza da morte. É uma lição que não devemos desperdiçar, aliás, que precisamos aproveitar. O momento é de enterrar antigos esqueletos que guardávamos nos armários do ser, limpar nostalgias emboloradas que se colavam nas paredes da memória, apegos tolos e mesquinhos que conservamos como jóias de estimação, mas que na verdade são bijuterias sem valor algum. O momento é de deixar todas essas coisas irem junto com o ser que partiu, aceitar a ausência como um espaço livre a ser preenchido, para que o novo surja e nos transforme. “Carpen Die”.

A vida é ligeira, rápida, fugaz, e os apegos são lastros que nos tiram da sintonia dessa fluidez, nos alicerçam no solo, enraízam nosso corpo, cristalizam nossos gestos, nos fazem perder a oportunidade de seguir com o vento. Podemos perder num instante a oportunidade rara de sermos livres. E oportunidade, como alguém já disse, é como uma flecha já lançada ou uma palavra dita, não pode mais ser mudada...

Mas, no que eu me apego, quando se trata do “outro”? Creio que nos apegamos ao sentimento puro e simples, àquilo que nós mesmos sentimos; nos apegamos à capacidade de amar, que é um dom pessoal, e acreditamos que esse dom provém do “outro”, depende dele e se origina nele, e quando esse “outro” se vai, sentimos como se levasse consigo tudo que tinhamos, todo sentimento que serviu para nos unir. Quando o “outro” se vai, carrega para longe essa capacidade amorosa, esse dom de sentir, que como já disse, é nosso, uma qualidade que pertence a cada um de nós, que flui do universo através de cada um.

Também nos apegamos aos vazios que contemos, e que geram em nós a necessidade de serem preenchidos, completados através do ato de viver. Projetamos no espelho que é o “outro” a expectativa de que ele preencha esses vazios que possuímos (como conter um espaço vazio? Como se apegar a algo que não existe ainda?), enquanto que ele, a outra pessoa, está também esperando que a gente preencha seus espaços, e assim vamos criando um jogo estranho de trocar ausências e nos relacionarmos através dessas ausências. Um jogo de xadrez sem damas, torres, cavalos e peões, apenas com os quadrados vazios do tabuleiro e as expectativas e fantasias de cada jogador. Quem ganha e quem perde um jogo assim? Esse é, talvez, o verdadeiro jogo das ilusões.

É imprescindível reconhecer que todo apego é uma possível conexão com o que falta dentro de nós, é um contato intenso com nossas ausências, com nossos vazios, com aquilo que cada um precisa estudar e conhecer de si. O ato de viver, acompanhar o vento ligeiro do viver, pede que a gente modifique a tendência a se apegar também ao vazio do outro e comece a preencher os espaços que necessitam serem preenchidos a partir de nós mesmos.

Pode parecer poético apenas, mas acredito que os espaços internos, nossas ausências, podem ser preenchidos com amor. E esse amor que ocupa todos os vazios, é o amor da Natureza, o amor que vem sob a forma de Luz, o amor por si mesmo e pelas coisas da Realidade, e isso nada têm a ver com o amor pelos vazios que o “outro” contém.

Um caminho possível é o de procurar nos focalizarmos na “inteireza” do outro, na sua plenitude, na constatação do que “ele” tem de completo e, para conseguirmos isso, é necessário procurar primeiro em nosso íntimo a inteireza que temos, pois é a condição, a referencia essencial para localizar no “outro” aquilo que ele tem de mais elaborado e evoluído. O vazio interior a ser preenchido é uma tarefa de cada um. Precisamos elaborar, enfrentar e preencher nossas próprias ausências através do conhecimento de si. Eu preciso viver meu movimento, minha própria busca, e aprender a deixar fluir esse amor para que ele me torne cada vez mais pleno. O “outro” precisa também vivenciar seus próprios processos e aprender a canalizar o amor necessário para ocupar seus espaços, ausências que ele contém.

O esforço para constatar nossa própria inteireza e para sentirmos e reconhecermos a plenitude do “outro”, é um caminho para chegar a essa condição, aquela que permite que o amor do universo flua através de nós (talvez esse amor não possa atravessar o vácuo de nossas ausências... e por isso a necessidade de sermos inteiros... quem sabe?).

Nada disso é fácil, é o trabalho de uma vida, de muitas vidas talvez. O hábito de nos apegarmos aos vazios é muito forte e muito antigo, está como que impregnado em nosso programa existencial, e orienta nossa conduta. Largar esse hábito é trabalhoso e exige esforço e imensa determinação. Talvez a observação cuidadosa do sentimento que aflora quando de fato perdemos alguém fisicamente, como talvez um tipo de sacrifício santo, nos apresente algo muito além do vazio que aquele que partiu deixou (como alguém pode deixar um “vazio”, algo que não existe?... talvez apenas o sentimento e a crença no “vazio” é que fica), pode ser que essa observação nos mostre a totalidade e a inteireza daquele que se foi, e essa é a herança que pode ficar, a consciência de que aquele Espírito e o seu corpo, agiu e caminhou sempre na direção da sua própria plenitude. E isso é belo e digno.

A TV está ligada. São 5 horas da manhã. Ruídos chamam minha atenção. Na tela, Bruce Lee, tranqüilo e infalível, luta energicamente para proteger uma ou outra mocinha. Qualquer olhar é pretexto para uma luta, com infinitos adversários que se sucedem como ondas do mar, um após o outro, às vezes em bando, cada qual demonstrando um estilo sofisticado de luta. Movimentos exatos, coreografias belíssimas, malabarismos impossíveis, tigre, garça, serpente possuindo os lutadores. Observo que nessa arte marcial, o que cada um busca para derrotar o adversário é sempre sua ausência. Das presenças eles se defendem, pois elas podem ser sua derrota, o golpe que determinará o final da luta. As ausências podem ser úteis, pelo menos no caso de uma luta, pois elas mostram sempre onde está a fraqueza do outro, onde está o buraco em seus gestos, onde está o espaço a ser ocupado pelo golpe certeiro.

Se nós estamos querendo amar e viver mais intensamente, porque não nos questionarmos a respeito do hábito de buscar ausências? Não estamos lutando kung-fu, estamos querendo compartilhar o amor que o Universo nos dispôs, compartilhar a vida que o Poder Superior nos concedeu.

Reconheço o imenso valor de todos os que se foram, todos os amores que partiram, para outro lugar ou para outro plano. Estou usando sua ausência para me conscientizar de minhas próprias ausências. Nesse momento em que constato a grandiosidade e o real significado de sua ausência, em que reconheço a falta que me fazem, estes amores estão presentes e vivos dentro de mim, pois o que fica, está claro agora: é sua inteireza e sua plenitude, me completando e me ensinando a permitir que flua mais amor através de meu gesto e meu viver. O resto não importa, não é nada, apenas vazio, apenas ausências.

Reconheço também que, por causa de ter sentido com tanta força o espaço vazio deixado por aqueles que me partiram, que foram embora de minha vida, me apeguei a esse vazio e me empenhei em preenche-lo com medo, ressentimentos, mágoas. Sei que isso na verdade não importa para quem se foi, para quem teve que seguir seu destino, pois essa substância de preencher vazios não vale nada, não tem força gravitacional, não tem massa, Luz ou conteúdo. São fantasias causadas pela falta de conexão com minha própria inteireza. Amarguras provocadas pela ausência de mim mesmo, pela falta de contato consciente comigo mesmo e por isso não são nada. Podem ir embora. Devem ir embora.

Pensei em escrever a respeito das expectativas representadas pelo horóscopo, em como elas se transformam em ausências antes de acontecerem, em como algumas configurações não potencializadas se transformam em buracos, espaços de vácuo do não vivido, mas creio que não é o momento. O sentimento despertado por essas constatações me basta. Não preciso nesse momento racionalizar o que sinto. Basta sentir e deixar. Apenas deixar.

Os acordes de uma velha canção surgem na mente nesse momento, pensando nas ausências e na saudade, cantarolo quase sem querer:

Esqueci de tentar te esquecer

Resolvi te querer por querer

Decidi te lembrar quantas vezes eu tenha vontade

Sem nada perder...

O sol está nascendo. Vou me deitar e pedir para que ele nasça também dentro de mim e, quem sabe, se eu tiver merecimento, sua luz poderosa ilumine minhas ausências, preencha o que tem de ser preenchido em mim, amplie minha consciência, me faça semente de algo bom, de sua Luz talvez.

Valdenir Benedetti

ADEUS

A morte física não me impressiona tanto, talvez muitos velórios domésticos, quando eu era criança, tenham me acostumado com isso - coisa de Escorpião. Os mortos são serenos - e hoje eu vi um morto sereno. Em paz, como há um bom tempo eu não o via. Em paz.


No silêncio que esse lugar de cortejar os corpos mortos nos impõe, minha mente viajou, mergulhou no túnel do tempo - e eu experimentei, por alguns instantes, a sensação do momento em que, pela primeira vez, entrei no "espaço de ficar" de meu velho amigo.

Um pequeno escritório, paredes amareladas por milhões de cigarros fumados, ainda, naquela época, compulsivamente. Galaxy slims derramando-se sobre um largo cinzeiro, boa parte sobre a mesa - que o cinzeiro vivia cheio. Um dia, por exigência de seus pulmões fragilizados, deixou os cigarros, radicalmente. Deixou um amigo de 50 anos, o que não é fácil... E jamais lhe ouvi uma queixa siquer...

E livros, infinitos livros, pilhas e pilhas de livros esparramados por todo aposento, as estantes transbordando, a mesa lotada de livros e peças de computador, impressoras, disquetes sem nome contendo misteriosos e intangíveis programas...

Impossível achar qualquer coisa que procurássemos por ali - bem, talvez alguma coisa que não estivéssemos procurando, pudesse ali ser encontrada. Mas o Sérgio sabia exatamente onde estava cada partícula daquele caos, coisas da física quântica que só um netuniano é capaz de entender. Administrar partículas e caos, coisa de físico mesmo...

Mas o que mais chamava a atenção, naquele lugar, era o próprio Dr. Sérgio. Encurvado sobre o teclado, catando um milho sofrível, sempre em frente ao monitor do computador (aliás geralmente programado com cores berrantes tipo mochila de surfista, roxo, verde limão, por aí...) Ele gostava assim e pronto. Essa é a imagem mais forte que vai ficar dele, olhando assim de lado, o formato do Saturno, a firmeza do Saturno. Não adiantava tentar explicar um jeito mais fácil de formatar um texto ou uma planilha. Ele ouvia com atenção e fazia exatamente do jeito dele. "Eu gosto assim", dizia.

Muitas vezes estive nesse lugar, e muitas vezes me veio à mente O Castelo de Franz Kafka, um lugar com prateleiras de altura e comprimento infinitos, recheadas de papéis, onde o Sr. K., agrimensor contratado para fazer algum trabalho no território do castelo, imaginava que estavam suas ordens de serviço, que jamais foram encontradas...

Outra compreensão que me aflorou, durante as muitas noites que passamos copiando programas e batendo papo, e discorrendo sobre astrologia, mapas, programas, astrologia, mapas, medicina, programas - bem antes da existência da Internet e dos pentiae... e depois também - é que aquele lugar, com sua infinidade absurda de livros caoticamente organizados, e aquele Sr. Saturno imperando, totalmente domiciliado, eram a reprodução, a própria materialização da mente do astrólogo.

Creio que é exatamente assim, a cabeça da maioria de nós. Uma multidão de idéias, informações, conhecimentos, sentimentos espalhados pelo chão da mente, pelas prateleiras da mente, com uma esperança distante de que, um dia, a gente consiga organizar tudo o que fomos e o que estivemos avidamente absorvendo em nossa caminhada, com a ilusão de que, talvez, todo o conteúdo daqueles milhares de livros, em princípio inconsciente, se torne um dia totalmente consciente... quem sabe...

Se tiver que ser pintada, um dia, a mente do astrólogo, tem que ser daquele jeito. Pra sempre vou me lembrar daquilo...

O Sérgio tinha um prazer imenso em copiar programas. Não era por causa da grana, que ele comprava os programas originais. Era pra dar para os amigos, compartilhar. A maior besteira era dar um programa pra ele e dizer para não copiar para ninguém... doce ilusão...

Creio que, com aquele Saturno determinando o projeto de vida dele, tão poderoso e inexorável em sua rigidez - sua vida muito disciplinada, um estudioso metódico e rígido, e profissionalmente também assim, impecável por tudo que eu sei - precisava de um escape, de uma válvula, onde o Netuno, além da intuição, afinando-se com a vida como um gesto, se expressasse... Alguma mínima transgressão, um pouquinho de "malandragem do bem", que não prejudicasse jamais quem quer que fosse, que servisse como código aquariano do "compartilhar" aquilo que a todos deveria pertencer... Nos divertimos à beça com isso. E aprendemos muito também: sobre programas, sobre amizade, sobre doar, sobre astrologia...

Certa vez tive um computador roubado, acho que um 200 mhz, o supra-sumo da época. Meu único bem material - e ferramenta de trabalho. Tinha um livro inteiro lá dentro, que se escafedeu. O Dr. Mortari mobilizou um pessoal - entre eles o Adonis Saliba, um outro sujeito que vendia máquinas pra gente e cujo nome me foge no momento, também o Osmar Jardim, de quem me lembrei agora... - no dia seguinte, me deram, cada um, um pedaço de computador; e, assim, um novo PC foi montado. Era o suficiente para que eu pudesse trabalhar. Jamais me esquecerei desse gesto de amizade que, inclusive, foi um gesto de cura real para mim.

Tem muitos casos, alguns hilários, outros bem tristes e outros amargos... vivemos muitos momentos nessa amizade que tem história, que deixou uma história mais rica e plena em minha vida. História de amizade real...

Só quero dizer mais uma coisa que é importante, nesse jeito que achei de chorar aqui...

Em certos momentos, quando senti um vazio imenso em minha existência, solidão quase cósmica, quase absoluta, tristeza pela história triste da vida - talvez um pouco de pena de mim mesmo... - nesses momentos, o Sérgio representou a figura de um pai que não tive, um pai que não conheci; e isso me fez muito bem, e sou grato por ter tido essa oportunidade.

Mais um ser humano, um espírito que veio aqui aprender e aprendeu muito, que completou o curso, o estágio, podendo ir para outro plano se preparar para, em algum momento, iniciar outro aprendizado. Faz falta a pessoa, o corpo sente falta da energia, da troca, mas o espírito está em paz - porque esse compartilhar ajudou a compor a história de nossa vida, torná-la mais densa, mais inteira, mais real e absoluta e verdadeira.

Sou imensamente grato pelo privilégio que o universo me concedeu de conviver com esse velho saturnão, com esse amigo de verdade, que nunca me traiu e sempre esteve presente.

Agora, se me permitem, vou para casa chorar um pouco.

CAÇADORES DE MÁGOAS

"Mágoa


Fragmentos de quimeras


Estilhaçam-se no meu peito


Eternamente"


Rita Sá







Hoje despertei sentindo a tristeza me cercar. Como uma nuvem, como uma névoa densa, colando-se ao meu corpo, incômoda, inconveniente, desnecessária para a vida. A água morna do chuveiro não foi suficiente para lavar esse estranho sentimento. Fui colocado involuntariamente na condição de ter que pensar no assunto. Bem, tinha mais o que fazer, mas não adianta adiar os apelos do interior. Se soubermos ouvir e reconhecer as necessidades do espírito, estaremos nos poupando de acumular inadequações que, cedo ou tarde se manifestarão através de posturas inadequadas e manifestações sombrias. Enfrentar e respeitar os apelos que vem de dentro é um dos caminhos para irmos em direção à vida saudável e feliz, creio eu.

A palavra mágoa surgiu no écran de minha mente. Piscando como um néon que se destaca nas luzes da cidade e se reflete distorcido em cada poça de água, cada recanto úmido do espaço interior, refletindo a palavra e seu poder implícito. Focalizei minha atenção no luminoso piscante e permiti que a palavra deslizasse através de todos os canais de percepção abertos nesse momento.

O ato de refletir se parece um pouco com isso, capturar com o pensamento as luzes que se refletem nas águas internas do ser. E água é a palavra chave para entendermos a tal da mágoa. A mágoa é um sentimento que fica agarrado à memória. Precisa de lembranças, precisa de um constante recordar do momento e do movimento que gerou a mágoa, o instante exato em que permitimos que o veneno invadisse nosso corpo. Por isso, pela necessidade da memória para que as mágoas se sustentem, a Lua passa a ter a função astrológica de ser um agente, um mantenedor da mágoa, exatamente por representar e significar a função da memória, além de reger o fluxo da água através de nosso ser, as marés que flutuam em nossa vida.

Jean Yves Leloup propõe que "perdoar é não cristalizar o outro naquilo que ele fez". Essa experiência de cristalizar um gesto, uma intenção, uma atitude do outro é totalmente subjetiva e significa uma impressão nos arquivos mnemônicos da pessoa, um tipo de registro aparentemente indelével. Cristalizar o gesto do outro, registrar e permitir que a lembrança permanente desse gesto seja um veneno que contamine aquilo que é naturalmente puro e íntegro dentro de nós, é a mágoa, a má água, e sua expressão mais corrente e comum, o ressentimento, que significa ficar remoendo as experiências, insistir e escolher o sofrimento por aquilo que não achamos justo e correto, pelo mal que supostamente foi feito à nossa pessoa e que feriu nossa sensibilidade.

Quantas mágoas inúteis guardamos, quantos cristais de sal muito amargo se formam dentro de nós, porque? Pensei muito nisso, em cada uma das mágoas que afloraram nessa manhã e que estavam querendo me deixar sombrio e triste, e fui conduzindo meu pensamento até chegar à conclusão que todas as mágoas que eu tinha, tudo aquilo que tinha se transformado no veneno do ressentimento dentro de mim e que estavam gravados na memória como as marcas de ferro em brasa que se faz no gado, enfim, percebi e constatei que a mágoa e seus derivados provêm da mesma fonte: a importância

pessoal.

Esse sentimento chamado de "importância pessoal" é um dos condicionamentos mais fortes e prejudiciais de nossa cultura. É semeado desde muito cedo em nossas vidas. É resultado da corujice de nossos pais, que por se acharem muito importantes, acreditam que seus filhos são mais importantes que os filhos das outras pessoas; é um jeito torto de amar atribuindo valores virtuais e absolutamente distorcidos àqueles que amamos, e também uma constante cobrança de que eles sejam como esperamos que sejam para merecer todo o nosso amor.

Para corresponder à realidade ou ilusão daqueles que nos amam e para alimentar o amor e a atenção que eles têm por nós, precisamos nos colocar na condição de estarmos à altura desse amor e de sua expectativa de que sejamos grandes, importantes, e para isso desenvolvemos mecanismos de defesa e manutenção desse virtual padrão de importância e passamos a interpretar personagens totalmente artificiais, inflados de auto importância, vazios de sentimentos verdadeiros.

Quando surge em nosso ser um amor verdadeiro, um sentimento puro e real, não sabemos muito bem o que fazer com ele. Não fomos treinados para isso. Procuramos racionalmente encaixar esse sentimento em nossos parâmetros aprendidos de importância pessoal, e assim contaminamos o sentimento com nossos valores artificiais e transformamos algo que poderia ser belo e pleno em mais uma mágoa, mais um ressentimento. Isso acontece porque ao olhar distorcido de quem vive um personagem artificial, composto de julgamentos e preconceitos que nos foram impingidos na fase lunar da formação de nossa personalidade, qualquer coisa, qualquer experiência que venha de fora, qualquer sentimento parece ser alienígena e é reconhecido como algo que não está a altura de nossa presunção, não chega aos pés de nossa importância e da importância que papai e mamãe davam para a gente.

A palavra mágoa provém originalmente do latim, "macula", que quer dizer mancha, nódoa. É a poluição que corrompe e contamina o espírito, que turva a água de nosso ser. O ressentimento é uma resultante da mágoa. É preciso ter sido magoado para poder ficar ressentido. Ambos os sentimentos estão ligados à Lua e seus significados essenciais. Mas não é apenas isso. A gente cresce, a mágoa continua - se não fizermos algo para limpa-la - portanto, outros planetas começam gradativamente a representar a mágoa que nossa auto importância nos fez criar.

Toda pessoa que se expressa com freqüência de forma ressentida e que fica insistindo em sua mágoa, lembrando a traição que o "outro" cometeu, remoendo a desilusão e a frustração que as pessoas a quem ela tanto e se dedicou fizeram, dificilmente irá reconhecer que a fonte desse sentimento bem ruim está dentro dela mesma, e raramente percebe que esse eterno remoer de lembranças do que não foi só prejudica a ela mesma.

Estamos falando da Lua. Estamos falando de Vênus. Estamos falando de Netuno, os três grandes indicadores astrológicos da mágoa e do ressentimento, três planos, três oitavas de uma energia que para se manter dependem da memória e do registro na água do corpo - substância física e emocional.



AS TRÊS OITAVAS DA MÁGOA

Lua, morada da mágoa
A Lua simboliza o primeiro grau, o mais completo e o que envolve maiores possibilidades quando se trata de guardar na memória o eterno "não vivido" que se converte na amargura da mágoa. Estar magoado e deixar que o ressentimento nos possua sempre implica em alimentar lembranças, em se prender ao já acontecido, ou melhor, àquilo que gostaríamos que tivesse acontecido de um jeito e aconteceu como tinha que acontecer, gerando frustração, se transformando em mágoa, nos deixando ressentidos.

A fase lunar de nossa vida, a primeira infância, é quando desenvolvemos um padrão de importância pessoal, uma auto imagem que passamos a vida toda lutando para manter. Personagem que tem uma expectativa de si mesmo e que pretende atender a expectativa dos outros para sentir-se protegido, aceito, amado, e quando essa expectativa não é atendida, tanto de dentro para fora quanto de

fora para dentro, surge a frustração e a conseqüente mágoa como defesa e justificativa por aquilo que parece ser um fracasso da imagem construída.

Existe dentro de nós uma criança, uma parte pura e limpa que conserva a integridade e autenticidade dos seres naturais, e que é devidamente constrangida e reprimida por elementos culturais para que essa parte de nós, aquela que é livre e íntegra, não queira ocupar seu espaço no mundo, não venha transgredir a ordem falida que se apresenta como o que é certo. Essa criança que nos habita, o princípio da pureza possível, para se proteger das cobranças do mundo e não ser massacrada o tempo todo, cria couraças e padrões de comportamento artificiais para ela: o comportamento adulto e responsável que agrada a todos e que faz com que esse aspecto de nosso ser seja aceito sem grandes cobranças.

Astrológicamente esse arquétipo da criança que é tão fundamental para que possamos exercer algum tipo de liberdade, para que possamos aceitar o novo em nossas vidas, é representado pela Lua, a casa que ocupa, o signo, os aspectos envolvidos, a situação de seu planeta regente. Além da liberdade representada pela criança e sua facilidade em aceitar novas situações, está a memória, o arquivo das impressões, dos sentimentos vividos, dos traumas, dos recursos utilizados pelos formadores da personalidade, pais, professores, adultos em geral, para domesticar a criança e torna-la uma pessoa aceitável, um adulto respeitável.

Essa criança tem inúmeros motivos para se sentir magoada, ferida, ofendida por lhe terem usurpado a liberdade e exigido um amadurecimento artificial e forçado, como uma planta de estufa, impedindo seu desenvolvimento natural, impedindo que ela seja ela mesma e passe a ser o que esperam dela. Isso gera mágoa. Isso gera a pessoa que está sempre pronta a aceitar a vida como uma ofensa, uma agressão, um ato hostil que polui, que macula, que gera mágoa e cria o adulto ressentido.

Administrar essa mágoa, libertar-se dela, deixar de ser uma pessoa que carrega um estado de ressentimento constante com toda a realidade que percebe exige uma atitude enérgica: libertar a criança, permitir-se entrar em contato com essa criança e sentir-se livre e relativamente puro novamente.

Podemos antever o quanto será criticada e cobrada uma pessoa que permita a manifestação dessa criança interior, e o quanto é difícil conseguir isso, a tal ponto que é mais fácil muitas vezes escolher a mágoa e o ressentimento, pelo menos a gente pode ser visto como um igual entre iguais. Todos ressentidos. Todos carregando no coração e nos ombros toneladas de mágoas infantis. Todos tendo que assumir um comportamento de adolescente que nunca cresceu e que reivindica coisas absurdas de um mundo que ele acredita que não o aceita como é.

Na verdade, enquanto essa criança interior não for confrontada e aceita, a própria pessoa é que não se aceita como ela é. É claro que tem que se sentir magoada, traída por si mesma, traída pela vida.



Vênus, escolhas que geram mágoas



Em outro plano da expressão da personalidade, encontramos Vênus e as expectativas simbolizadas por esse planeta. As escolhas, todos os tipos de escolha, afetiva ou material, são representadas por Vênus. Quando um átomo de hidrogênio "escolhe" átomos de oxigênio para formar a água, essa escolha físico-química é regida por Vênus. Quando um homem escolhe uma mulher para amar e uma mulher escolhe um homem para amar, também o símbolo de Vênus está presente. Os referenciais de escolha estão contidos na psique humana, são as experiências que se acumulam na memória, são os traumas, é o critério estético e ético que se construiu durante a história da vida. A Lua e seus significados, anteriormente descritos, está devidamente representada na base desses critérios, e por isso Vênus representa um degrau das qualidades simbolizadas pela Lua, uma "oitava", um outro grau dos significados lunares, que necessariamente serão conteúdos das escolhas e da expressão de Vênus.

Se os critérios de escolha estão maculados por conteúdos da memória, e se existe mágoa nesses conteúdos, é natural que essas escolhas reflitam essa mágoa e sejam, consequentemente, fontes de maiores mágoas e ressentimento.

Existem também, nos critérios de escolha representados por esse planeta, conteúdos infantis não vividos, não elaborados. Expressões e potencialidades que nos foram arrancadas durante uma fase de nossa existência durante a qual não tínhamos defesas adequadas. Aquilo que por acaso tenha sido um impedimento do desenvolvimento natural de critérios, junto com o desenvolvimento natural e espontâneo dessa criança interior, vai acontecer em nossas vidas através de escolhas inadequadas e geradoras de transtornos, particularmente escolhas afetivas que nos trarão infelicidade e mais frustração.

A defesa natural que nossa auto importância nos impõe ao resultado de escolhas tortas e desajustadas na vida é atribuir aos outros, aos objetos de nossa escolha, a responsabilidade pelo fracasso resultante dessas mesmas escolhas, e a forma mais comum disso acontecer é nos sentirmos traídos e magoados por aqueles que obtusamente escolhemos. A culpa tende a ser sempre do "outro", é mais tolerável assim.

O que nos resta, diante dessa circunstância, senão vivermos carregando ressentimentos de cada contato, de cada relação que experimentamos, especialmente porque a referencia, a premissa que sustentou a escolha e o principiar de cada relação é a de um olhar carregado de mágoa, carregado de dor e frustração por não ter podido nunca entrar em contato consigo mesmo, com sua verdadeira essência? Existe a cura para essa mágoa, e essa cura consiste em escolher com o coração limpo, com o instinto e a intuição, com uma expectativa baseada na necessidade mais natural de trocar energia vital, em vez de eleger o objeto onde focalizar nossa afetividade tendo como parâmetros nossas dores e frustrações acumuladas desde a mais tenra idade, desde o momento em que abrimos mão de coisas essenciais para nos sentirmos aceitos e iguais a todo mundo.

Precisamos aprender a escolher as coisas que podemos amar com os olhos límpidos da criança que nos habita, aquela que ainda pode ser livre e natural, aquela que sabe que o importante é viver e ser inteiro, em vez de achar que o importante é ser aceito por fazer o jogo dos outros. A criança assustada e contida escolhe apenas coisas pequenas, que não a ameacem, que não afetem em nada o complicado equilíbrio emocional que a mantém atada aos valores afetivos que lhe foram impostos como certos. Essa criança escolhe dentro desses critérios que contrariam a natureza da existência que é sempre crescer e se expandir, causando uma insatisfação interna constante, e essa insatisfação se transforma facilmente em mágoa contra aquilo que eu mesmo escolho e que me impede de crescer, e assim se origina um circulo vicioso que mantém e alimenta o comportamento ressentido e o fracasso nos relacionamentos humanos.

Creio que isso pode ser mudado simplesmente se conectando com essa criança, esse lado essencial da gente, deixando que a criança se rebele e assuma sua condição natural, seja ela mesma, ou melhor, que seja uma bela referencia do que podemos ser nós mesmos. Basta ousar, basta correr o risco de não ser aceito por aqueles que precisam da gente, condicionado e bem comportado dentro de seus critérios do que é certo ou errado e assim, estaremos caminhando para nos tornarmos pessoas livres de mágoa, pessoas sãs.



Netuno, mágoas além do pensamento



Netuno é a oitava mais fina desse trio de planetas que simbolizam nossa capacidade de sentir e se integrar à realidade. Está vinculado ao aspecto transpessoal da realidade e dos sentimentos.

Muitos autores afirmam que Netuno representa a compaixão, que corresponde a um estado de amor universal, de identificação com a espécie, com a condição humana como um todo. Bem, pode ser, mas é muito comum que essa palavra seja confundida com piedade, pena do sofrimento dos outros, empatia com quem está inferiorizado por alguma circunstância existencial, e nesse caso, a palavra compaixão perde seu sentido maior e se transforma em exercício de poder, em presunção e arrogância daqueles que se acham melhores que os outros. Mais uma vez a importância pessoal se faz presente.

O planeta Netuno simboliza a identificação, em níveis mais elevados ou transpessoais, além dos limites da razão, além da observação lógica, em sintonia com o sentimento e o instinto em sua expressão mais refinada e delicada. Exatamente por isso o reconhecimento dos sentimentos despertados no plano de Netuno e a redução desses sentimentos a um discurso lógico e formal se torna bastante complexa.

Vivemos a experiência no plano de Netuno, nem sempre compreendendo sua origem ou como ela se processa, e por isso tantas vezes a ela é atribuída uma origem divina. A identificação com o sofrimento da humanidade como um todo, origem e princípio do surgimento de tantos mártires e profetas durante a história do mundo, pode representar o aparecimento da mágoa em seu nível mais sofisticado e não administrável.

Mágoa pela traição divina, pelo abandono de Deus, pela expulsão do paraíso e por conclusões semelhantes às quais nossa mente pode nos conduzir na tentativa de reduzir esse sentimento

de identificação tão amplo a mínimos denominadores comuns.

Netuno pode representar o canal através do qual nosso ser se conecta com o inconsciente coletivo. Pode significar também nosso potencial de elevar nosso espírito a níveis muito além da razão e do discurso formal, colocando-nos em contato com linhas de força que percorrem o universo, meridianos de energia divina, que constituem uma realidade invisível, algo que só pode ser percebido pelo sentimento. Nossa conexão ferrenha com a realidade material, com as necessidades do corpo e da mente, muitas delas criadas e artificiais, faz com que tenhamos a tendência de traduzir as energias representadas por Netuno para lugares comuns, empobrecendo seus significados, reprimindo suas possibilidades maiores e transformando essas possibilidades em distorções mentais, máculas, mágoa....

É um tipo de mágoa incontrolável, imensa, inacessível, por mais que tentemos transformá-la em sentimentos comuns. A sensibilidade netuniana contida e não vivenciada se transforma em angústia, em um poderoso sentimento de solidão infinita, cósmica, além da solidão social, além na necessidade de companhia humana, além do desejo.

O poeta Augusto dos Anjos, com seu estilo peculiar de registrar sentimentos e traduzir conteúdos da psique coletiva, escreveu a respeito da mágoa o pequeno poema que segue:



ETERNA MÁGOA

O homem por sobre quem caiu a praga


Da tristeza do Mundo,


o homem que é triste


Para todos os séculos existe


E nunca mais o seu pesar se apaga!


Não crê em nada, pois, nada há que


traga Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.


Quer resistir, e quanto mais resiste


Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.


Sabe que sofre, mas o que não sabe


É que essa mágoa infinda assim, não cabe


Na sua vida, é que essa mágoa infinda


Transpõe a vida do seu corpo inerme;


E quando esse homem se transforma em verme


É essa mágoa que o acompanha ainda!


Augusto dos Anjos



O que podemos fazer diante de sentimentos tão poderosos? Como lidar com essas três dimensões apresentadas a respeito da mágoa e do ressentimento?

Podemos começar entendendo que, como o princípio gerador da mágoa está registrado na memória, representada pela Lua, se manifesta mentalmente através da expressão de Vênus e se torna um

sentimento que parece estar além da própria pessoa, além do corpo físico e do gesto, através da manifestação em nós de Netuno, a solução para todos os representantes da mágoa e do ressentimento é praticamente a mesma, por serem todos esses símbolos níveis diferentes de uma mesma vibração,

oitavas distintas de uma mesma nota.

Precisamos resgatar a criança que nos habita e que está ferida, machucada pelas exigências tantas vezes absurdas que a vida lhe impôs, com todos os sentidos sensibilizados como órgãos inflamados, e portanto, vulnerável à mágoa, presa à recordações dolorosas das quais não consegue se desvincular, tendo que incorporar comportamentos ressentidos para se resguardar de sua dor tão profunda. Precisamos libertar essa criança, deixa-la escolher, deixa-la optar por ser quem ela quer e pode ser, deixa-la se rebelar e dizer não a tantas imposições morais e comportamentais que não lhe dizem respeito, permitir que sua afetividade seja expressa sem medo de ser ridicularizada ou rejeitada.

É necessário apresentarmos a essa parte de nosso ser, a mais pura, a mais inocente, a mais limpa, a possibilidade de fazer novas escolhas, o fato de que ela não tem que ser mais ou menos importante que nada ou ninguém para ser aceita e amada, ela apenas precisa ser ela mesma para que nós possamos ser nós mesmos e nos libertemos da mágoa.

Precisamos também mostrar a essa criança interna que tudo é infinito, que tudo é uma única serpente cósmica de energia encadeada e cada parte dessa energia está intimamente ligada a todas as outras partes, cada manifestação da energia divina, cada ser que surge e se manifesta nesse plano, está conectado a todas as outras partes, a todos os outros seres, e que, exatamente por isso, ninguém está realmente só, ninguém está separado da totalidade do universo, e cada parte tem seu papel, tem sua tarefa, tem sua função estabelecida harmoniosamente e integrada à totalidade do infinito.

Por isso não estamos sós, por isso não somos nem mais nem menos que nada, por isso estamos equipados e prontos para sermos felizes, sem mágoa e sem ressentimento e por isso, não há nada de fato a perdoar. O perdão não é a solução para a mágoa.

A solução é o amor e a compreensão e principalmente, a consciência de que não somos mais importantes que nada. Cada ser nesse planeta é a diferença em si mesmo e, portanto, não tem que sofrer por se sentir inferiorizado ou traído pela vida.

Estamos apenas aprendendo, e se tivermos a humildade e a paciência de agirmos a partir dessa premissa, de que estamos aqui para aprender, todos nós, todos os viventes, a vida será mais fácil, todas as mágoas perderão o sentido, todos os ressentimentos se tornarão tolos reflexos da vaidade e então, poderemos amar sem medo, poderemos nos entregar sem medo, exatamente como uma criança faz, exatamente como a criança que está dentro de nós pode fazer.

Bem, fazendo todas essas reflexões, permitindo que o pensamento fluísse, me dispondo a buscar dentro de mim as respostas ao sentimento que me invadiu nessa manhã, aconteceu algo delicioso: a tristeza foi embora, como surgiu se foi, diluiu-se como uma nuvem no sopro do vento. Já posso prosseguir,

mais leve e com o sentimento de que as mágoas não precisam ser alimentadas, com a constatação de que, como diz a música de Milton Nascimento :

"há um menino, há um moleque, que mora dentro do meu


coração, cada vez que o adulto fraqueja, ele vem pra me dar a


mão..."